sábado, 3 de setembro de 2011

Mães Más


“Para compensar a culpa, o pai dá presentes e prefere não dizer tantos nãos aos filhos. Sem saber, comete o maior dos erros: ajuda a criar crianças e adolescentes sem limite, que passam a vê-lo como um caixa eletrônico 24 horas.“

Uma pesquisa realizada neste ano pelo Ipso-Marplan nas nove mais importantes capitais detectou que os pais brasileiros, cujo dia é comemorado hoje, estão em crise. A vida para eles, segundo o levantamento, piora sem parar. No ano passado, 75% deles achavam que as condições de vida tinham piorado nos últimos trinta anos _ essa percentagem pulou agora para 83%.
A visão geral é de que a paternidade transformou-se numa corrida de obstáculos: além da mudança de papéis dentro da família, para o quais o homem não foi treinado, crescem as dificuldades para bancar as mensalidades escolares e até os planos de saúde. Reflexo das dificuldades familiares, estudo da Fundação Seade mostra tendência entre casais de classes A e B, na região metropolitana de São Paulo, de ter filho único. Ou de não ter nenhum filho.
A prioridade de um pai com um mínimo de sensatez é assegurar educação de qualidade para o filho. Ocorre que, nos últimos cinco anos, caiu em 30% a renda do trabalhador _ e, mais acentuadamente, da classe média, atacada por todos os flancos. De um lado, pela mistura de inflação e desemprego, e, de outro, pela gula do governo que não pára de arrecadar mais impostos. Menos dinheiro no bolso significa a dificuldade de bancar mensalidades.
Impotente, a classe média engrossa o número de alunos da escola pública _ o que, certa ou erradamente, é visto como um sinal de decadência. No desespero, pais vem propondo escambo: em troca da mensalidade, oferecem serviços. Aliás, a falta de dinheiro está mudando até reduzindo o hábito de dar presentes no Dia dos Pais: a Federação do Comércio do Estado de São Paulo revelou, na semana passada, que metade dos filhos não daria nada.
Não assegurar educação de qualidade abate a auto-estima paterna, desmontado arranhando a imagem do provedor. Mas a crise vai além das carências materiais há uma crise de papéis familiares. O homem foi treinado desde criança para ser um guerreiro, desprezando os afazeres domésticos. Nesses últimos trinta anos, a mulher avançou no mercado do trabalho e passou a exigir ajuda nos cuidados com os filhos e nas tarefas da casa. Querem ver o marido na condição do guerreiro que vai à luta, com ela, pelo sustento, mas anseiam por uma sensibilidade masculina que compreenda a TPM, o ritmo diferenciado do orgasmo, entre outras incógnitas da alma feminina. Nada parecido com os tempos em jogávamos futebol, as mães, iradas e resignadas, tiravam nossas roupas do chão, diziam que se chorássemos depois de brigar na rua apanharíamos de novo ‘para deixar de ser moleque’, enquanto as meninas, sossegadas, banhavam as bonecas, brincavam de ‘casinha’ e, ludicamente, eram preparadas para o casamento.
Até pouco tempo, educar os filhos era a tarefa da mãe, trancada em casa. Hoje o pai é cercado de culpas por não seguir os conselhos de psicólogos e psicopedagogos sobre a importância da presença paterna. Como pai e mãe trabalham ( e ganham menos), eles chegam, de noite, estressados, ligam a televisão e dormem. Serão informados, mais cedo ou mais tarde, que eventuais desvios psíquicos dos alunos - dificuldades de aprendizado, por exemplo- se devem, em parte, á ausência dos pais. Omissão paterna é apresentada como uma das portas que levam ao abuso de droga.
Para compensar a culpa, o pai dá presentes e prefere não dizer tantos nãos aos filhos. Sem saber, comete o maior dos erros: ajuda a criar crianças e adolescentes sem limite, que passam a vê-lo como um caixa eletrônico 24 horas. Não desenvolvem a capacidade de se frustrar e, aí sim, entram no público de risco das drogas. O pai lê artigos que os sugere estar, na sua inconsciência, quase de mãos dadas com os traficantes_ o que, diga-se, tem sua dose de verdade. A preocupação com os filhos aumentou e não só por causa doas drogas. A violências nas cidades virou epidemia: de madrugada, os pais não pegam no sono, sentindo que os filhos, nas ruas, embarcaram numa roleta-russa. À violência e drogas, soma-se o desemprego.
Os filhos vivem mais tempo na casa dos pais, numa adultescência. Não faz muito tempo, os adolescentes sonhavam em sair de casa e ganhar a liberdade. Nem os aluguéis eram tão altos nem havia tamanha escassez de emprego. Para medir essa escassez, basta lembrar pesquisa no ano passado sobre 187 mil currículos de universitários que disputaram 870 vagas de estágios em empresas brasileiras. Devido à exigência das empresas, no final, espantosamente sobraram vagas. O resumo das novas regras familiares é que o pai que quiser ser pai tem de aprender ser um pouco de mãe. Do contrário, nem vai manter por muito o casamento e, pior, não vai ganhar o respeito dos filhos. Dá saudade dos tempos em éramos filhos e reclamávamos de nossos país.
P.S. - Nesse Dia dos Pais, sou obrigado a reconhecer uma inversão de papéis. Com meus filhos aprendi algumas das melhores lições. Eles me ensinaram, por exemplo, o ridículo de tentar ajudar a educar meu país e não saber educá-los, por valorizar em demasia o desempenho profissional e pouco o afetivo. Descobri que ser pai é sempre estar atento aos ensinamentos deles, por mais dolorosos que sejam. É eles que nos mostram as dores e as delícias da maturidade, depois de serem vítimas, por tantas vezes, de nossa imaturidade.
Ser pai não é um ato natural, mas um aprendizado permanente. Gilberto Dimenstein, 45, é jornalista, faz parte do board do programa de Direitos Humanos da Universidade de Columbia. Criou a Cidade Escola Aprendiz. Está lançando um livro com o professor Pasquale Cipro Neto ensinando, simultaneamente, português e cidadania.

Gilberto Dimenstein

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