“Para compensar a culpa, o pai dá
presentes e prefere não dizer tantos nãos aos filhos. Sem saber, comete o maior
dos erros: ajuda a criar crianças e adolescentes sem limite, que passam a vê-lo
como um caixa eletrônico 24 horas.“
Uma pesquisa realizada neste ano pelo
Ipso-Marplan nas nove mais importantes capitais detectou que os pais
brasileiros, cujo dia é comemorado hoje, estão em crise. A vida para eles,
segundo o levantamento, piora sem parar. No ano passado, 75% deles achavam que
as condições de vida tinham piorado nos últimos trinta anos _ essa percentagem
pulou agora para 83%.
A visão geral é de que a paternidade
transformou-se numa corrida de obstáculos: além da mudança de papéis dentro da
família, para o quais o homem não foi treinado, crescem as dificuldades para
bancar as mensalidades escolares e até os planos de saúde. Reflexo das
dificuldades familiares, estudo da Fundação Seade mostra tendência entre casais
de classes A e B, na região metropolitana de São Paulo, de ter filho único. Ou
de não ter nenhum filho.
A prioridade de um pai com um mínimo
de sensatez é assegurar educação de qualidade para o filho. Ocorre que, nos
últimos cinco anos, caiu em 30% a renda do trabalhador _ e, mais
acentuadamente, da classe média, atacada por todos os flancos. De um lado, pela
mistura de inflação e desemprego, e, de outro, pela gula do governo que não
pára de arrecadar mais impostos. Menos dinheiro no bolso significa a
dificuldade de bancar mensalidades.
Impotente, a classe média engrossa o
número de alunos da escola pública _ o que, certa ou erradamente, é visto como
um sinal de decadência. No desespero, pais vem propondo escambo: em troca da
mensalidade, oferecem serviços. Aliás, a falta de dinheiro está mudando até
reduzindo o hábito de dar presentes no Dia dos Pais: a Federação do Comércio do
Estado de São Paulo revelou, na semana passada, que metade dos filhos não daria
nada.
Não assegurar educação de
qualidade abate a auto-estima paterna, desmontado arranhando a imagem do
provedor. Mas a crise vai além das carências materiais há uma crise de papéis
familiares. O homem foi treinado desde criança para ser um guerreiro,
desprezando os afazeres domésticos. Nesses últimos trinta anos, a mulher
avançou no mercado do trabalho e passou a exigir ajuda nos cuidados com os
filhos e nas tarefas da casa. Querem ver o marido na condição do guerreiro que
vai à luta, com ela, pelo sustento, mas anseiam por uma sensibilidade masculina
que compreenda a TPM, o ritmo diferenciado do orgasmo, entre outras incógnitas
da alma feminina. Nada parecido com os tempos em jogávamos futebol, as mães,
iradas e resignadas, tiravam nossas roupas do chão, diziam que se chorássemos
depois de brigar na rua apanharíamos de novo ‘para deixar de ser moleque’,
enquanto as meninas, sossegadas, banhavam as bonecas, brincavam de ‘casinha’ e,
ludicamente, eram preparadas para o casamento.
Até pouco tempo, educar os filhos era
a tarefa da mãe, trancada em
casa. Hoje o pai é cercado de culpas por não seguir os
conselhos de psicólogos e psicopedagogos sobre a importância da presença
paterna. Como pai e mãe trabalham ( e ganham menos), eles chegam, de noite,
estressados, ligam a televisão e dormem. Serão informados, mais cedo ou mais
tarde, que eventuais desvios psíquicos dos alunos - dificuldades de aprendizado,
por exemplo- se devem, em parte, á ausência dos pais. Omissão paterna é
apresentada como uma das portas que levam ao abuso de droga.
Para compensar a culpa, o pai dá
presentes e prefere não dizer tantos nãos aos filhos. Sem saber, comete o maior
dos erros: ajuda a criar crianças e adolescentes sem limite, que passam a vê-lo
como um caixa eletrônico 24 horas. Não desenvolvem a capacidade de se frustrar
e, aí sim, entram no público de risco das drogas. O pai lê artigos que os
sugere estar, na sua inconsciência, quase de mãos dadas com os traficantes_ o
que, diga-se, tem sua dose de verdade. A preocupação com os filhos aumentou e
não só por causa doas drogas. A violências nas cidades virou epidemia: de
madrugada, os pais não pegam no sono, sentindo que os filhos, nas ruas,
embarcaram numa roleta-russa. À violência e drogas, soma-se o desemprego.
Os filhos vivem mais tempo na casa dos
pais, numa adultescência. Não faz muito tempo, os adolescentes sonhavam em sair
de casa e ganhar a liberdade. Nem os aluguéis eram tão altos nem havia tamanha
escassez de emprego. Para medir essa escassez, basta lembrar pesquisa no ano
passado sobre 187 mil currículos de universitários que disputaram 870 vagas de
estágios em empresas brasileiras. Devido à exigência das empresas, no final,
espantosamente sobraram vagas. O resumo das novas regras familiares é que o pai
que quiser ser pai tem de aprender ser um pouco de mãe. Do contrário, nem vai
manter por muito o casamento e, pior, não vai ganhar o respeito dos filhos. Dá
saudade dos tempos em éramos filhos e reclamávamos de nossos país.
P.S. - Nesse
Dia dos Pais, sou obrigado a reconhecer uma inversão de papéis. Com meus filhos
aprendi algumas das melhores lições. Eles me ensinaram, por exemplo, o ridículo
de tentar ajudar a educar meu país e não saber educá-los, por valorizar em
demasia o desempenho profissional e pouco o afetivo. Descobri que ser pai é
sempre estar atento aos ensinamentos deles, por mais dolorosos que sejam. É
eles que nos mostram as dores e as delícias da maturidade, depois de serem
vítimas, por tantas vezes, de nossa imaturidade.
Ser pai não
é um ato natural, mas um aprendizado permanente. Gilberto Dimenstein, 45, é
jornalista, faz parte do board do programa de Direitos Humanos da Universidade
de Columbia. Criou a Cidade Escola Aprendiz. Está lançando um livro com o
professor Pasquale Cipro Neto ensinando, simultaneamente, português e
cidadania.
Gilberto Dimenstein
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