sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Crianças precisam de rotina!

O papel do habitual na educação


          A família Obama não vive mais em Chicago, mas uma das primeiras orientações dadas por Michelle Obama aos empregados da Casa Branca é que preservem antigas regras da família: “Não arrumem as camas das minhas filhas, elas precisam aprender esse tipo de coisa”. A palavra rotina é muito usada pelo casal ao se referir às filhas de 7 e 10 anos. Nisso, se inclui o horário de dormir, arrumar o próprio quarto e levar o cãozinho para passear.

Por que tanta preocupação em manter hábitos no meio de tantas mudanças? 

            A psicóloga e terapeuta de família, Nailza Fiuza, lembra a importância de a criança, desde bem cedo, ser estimulada a seguir e a participar das rotinas na organização do ambiente doméstico, como, por exemplo, guardar os brinquedos que espalhou, cuidar do seu espaço ou ajudar a mãe a colocar a mesa do jantar: “assim, você está preparando seu  filho(a) a ser participativo, responsável e independente. E, essa parece ser a preocupação do casal Obama: manter as filhas numa realidade que deve ser aplicada a qualquer ser humano em crescimento”. 
            Se a família costuma abandonar os hábitos a cada mudança, como ao sair de férias pra casa da avó distante ou dormir algumas noites na casa da avó que mora perto, o ensinamento pode ser mal interpretado. “A criança  pode entender como castigo e/ou até mesmo como desamor da parte dos pais”, diz Nailza. Se tentarem formar esses hábitos só na pré-adolescência ou na adolescência fica mais difícil preparar um adulto cooperativo, autônomo e capaz de assumir responsabilidades.
       “Quando passamos um final de semana na casa de campo/praia de um amigo, não deixamos o quarto bagunçado para os anfitriões arrumarem, nem deixamos que preparem o almoço sozinhos e lavem a louça depois. Pelas regras de educação e da boa convivência temos respeito pelo outro, que carinhosamente nos fez o convite. Nada disso é inato. Aprendemos com nossos pais, pois eles nos orientaram e deram bons exemplos” complementa a psicóloga.

Educar é também criar rotinas

            “A rotina tem um papel muito importante nas várias fases da vida de uma criança, seja para dar segurança, desenvolver ou ensinar responsabilidade”, afirma a terapeuta. Começa ajudando o bebê a conhecer e a ordenar o ambiente em que vive, fazendo com que ele se sinta mais seguro e confortável tanto física quanto emocionalmente. O bebê percebe que é alimentado quando dá sinais de fome, que é cuidado quando se sente desconfortável e que a mãe sai de junto dele, mas também volta. A repetição de procedimentos cria expectativas e proporciona tranqüilidade. 
            Com o tempo, a criança quer também participar dos procedimentos que envolvem sua rotina e que ela já conhece bem. De uma forma lúdica, quer ajudar no próprio banho, se ensaboando ou se enxugando; na hora da refeição, quer também segurar a colher ou o copo e ainda se servir; no final do dia, se bem orientada, ajuda a recolher os brinquedos. “Embora tudo comece meio desajeitado, com a participação diária, a criança vai ganhando destreza e autonomia, melhorando sua performance a cada repetição”.
            Mas a rotina não se limita a trazer segurança emocional e a desenvolver a capacidade motora. Determinados hábitos embutem valores sociais, éticos e morais que permitem o amadurecimento do indivíduo. “A criança, por exemplo, que aprende a cuidar do seu quarto está aprendendo a não delegar a terceiros suas tarefas. Está também aprendendo a cuidar de si mesma. Quando ela alimenta o seu cão e o leva para as saídas diárias está cuidando também do outro. Essas tarefas implicam pequenas responsabilidades e compromissos, que vão prepará-la para lidar com obrigações mais complexas e abstratas e a se envolver e ser solidária com as necessidades à sua volta”. 
            Muitos pais equivocadamente protegem os filhos, “poupando-os” das obrigações “chatas” e perdem uma ótima oportunidade de ajudá-los a crescer com “os pés no chão” ou de se tornarem autoconfiantes. Nailza exemplifica com o caso de uma paciente que aos seis anos de idade ainda tinha dificuldade em se alimentar sozinha, de se relacionar com outras crianças e não conseguia escrever nenhuma letra, mesmo que fosse copiando. Sua mãe já consultara o pediatra e um neuropediatra que nada encontraram clinicamente para justificar as dificuldades da menina.
            Nailza conta que “após uma longa anamnese e oito semanas consecutivas de atendimento, confirmei que se tratava de uma criança inteligente, meiga e muito criativa. Seu problema era ter uma mãe que a protegia demais, que não permitia sequer que ela levasse o garfo de comida à própria boca. Ela não sabia abrir um pacote de biscoito recheado, não conseguia colocar o suco de sua garrafinha da merendeira no copo, não tinha idéia de onde jogava o lixo ou para que servia o guardanapo.
            Nosso trabalho foi de muito treinamento lúdico. Passávamos o horário todo servindo lanches para nossos convidados: as bonecas que haviam no consultório e as que ela passou a trazer para nossos encontros. Para ela, tudo era uma grande brincadeira e seus olhos brilhavam a cada vez que chegava nas sessões. Aos poucos, já sabia comer, se servir sozinha e até mesmo me servir. Passamos a fazer várias cartas contando sobre nossas festinhas e também preparamos belíssimos convites para os eventos. Ela passou a desenhar e a assinar seu nome sem copiar nenhuma letra. Colocava a primeira letra dos convidados que lhe vinham à imaginação.
            O problema dessa paciente era apenas ser filha de uma mãe superprotetora e dominadora, que não lhe permitia crescer e ser autônoma e responsável por seus atos, causando enormes duvidas psíquicas na criança: como vou realizar uma tarefa se não sei como fazê-la (comer, vestir-se, jogar o lixo fora, etc.)?; será que sou capaz de brincar com alguém?; e se eu mostrar que conheço as letras e compreendo tudo que me ensinam será que ela vai continuar me amando? Tudo isso é inconsciente, mas a criança se defende como pode para dar conta de seu sofrimento emocional/ psíquico.
            Com o progresso da filha, a mãe, que relutou muito inicialmente, percebeu a necessidade dela própria fazer análise. Pouco tempo depois, a filha recebeu alta da terapia”.

Fonte: Escola 24h

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