sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Novos tempos x Velhas Práticas

Novos tempos, novas demandas. Velhas práticas, velhas posturas. Este é o paradoxo que enfrentamos neste mundo globalizado, cheio de informações e de rápidas mudanças.
Vejamos, o ambiente familiar está mais flexível. Noções de limite e respeito viraram conceitos tênues. Convivemos com tatuagens, plásticas, piercings, músicas, festas, televisão, videogames, realityshows, chats; há menos repressão à sexualidade e às transgressões dos jovens. O Cultural se vê cada vez mais marcado pelo juvenil e esta característica contextual deve ser recebida e trabalhada pela escola: no entanto é um motivo a mais de desgaste das relações entre professores e alunos. Mudou também a dinâmica no mercado de trabalho, que passa a esperar dos profissionais muito mais que fazer bem o seu trabalho apenas. A interatividade, a intercomunicação, o trabalho em equipe, a gestão em rede, a flexibilidade, a criatividade, são conceitos incorporados ao perfil profissional exigido. Sociedade da informação e do imediatismo. A realidade é virtual.
Este é o mundo do educador do século XXI. Educador formado a partir de uma concepção pedagógica pautada em modelos do século XIX. Modelos estes, puramente técnicos, que treinavam as pessoas a pensarem apenas naquilo que já foi pensado. Historicamente, a escola foi criada como instância para transmitir às novas gerações o que sabíamos.
No decorrer dos tempos, o ambiente escolar foi moldado a partir de uma visão hierarquizadora e disciplinadora: " ... sua evolução parece ter estagnado, já que, praticamente, o mesmo tipo de escola vem sendo construído... bastante desatualizado, fazendo-nos inferir qual a razão desse hiato criado e quais as intenções existentes atrás da descontextualização do espaço escolar. Salvo um ou outro elemento que parece destoar do conjunto, a visão de uma sala de aula nos remete a um espaço-tempo passado, fazendo-nos crer que o processo de ensino se ‘congelou’.... Numa época em que as ciências caminham para a interdisciplinaridade, para o imbricamento de seus territórios e para a incorporação de novas tecnologias, o ambiente escolar se mostra estático e despreparado para atender às exigências contemporâneas.” (França, 1994). Uma escola rígida para um mundo rígido. Um mundo que não existe mais!
O ritmo rápido das mudanças provoca a perda de referências. Neste novo mundo a informação circula de maneira rápida, sem fronteiras e sem filtros de qualquer espécie. O excesso de informação causa ansiedade. Não adianta sobrepor mais e mais informação às velhas formas de processá-las e nem ter domínio sobre o instrumento processador. É preciso saber transformar a informação em conhecimento aplicável e direcionado de forma consciente.
E a escola? Mesmo modelo da estrutura arquitetônica, do mobiliário, e também das práticas e do discurso; O conhecimento é tratado como um dado isolado, sobreposto pelo acúmulo e repetição; Alunos uniformemente enfileirados, professor detentor do conhecimento; nas aulas, alunos, em silêncio absoluto, absorvendo todas as informações transmitidas; esquemas de vigilância e punição, notas vermelhas para separar quem aprendeu e quem não aprendeu, medo da reprovação; Ambiente hierarquizado. Com certeza, este não é mais o discurso, mas na prática no cotidiano das inúmeras Instituições Educacionais, públicas e privadas do nosso país, este cenário é passado?
Embora se possa fazer muita coisa nova e boa mesmo dentro das velhas estruturas, a adoção do princípio da flexibilidade na organização pedagógica pede mais ambição, criatividade e ousadia das Instituições Educacionais e de seus educadores. A escola, como todo organismo social, se encontra imersa num contexto que vai além do local e do sistema. Passamos boa parte de nosso tempo, vivendo na escola e para ela. É preciso, portanto, enriquecer de sentido a nossa ação. Este é o desafio que nos conduz a uma mudança de postura prática, frente aos procedimentos pedagógicos tradicionais. Para que isto ocorra, será preciso reinventar o ambiente e o trabalho escolar, deixando de lado para sempre a estagnação, o comodismo e o conservadorismo.
Talvez meu discurso seja incongruente com o belo discurso de vários profissionais da educação ou com as campanhas de matriculas. Meu convite é para uma reflexão e não uma crítica. Em fatos, como pesquisadora educacional com trânsito livre em diversas Instituições de ensino, públicas e privadas, vejo no dia a dia, a distância entre o falar e o fazer no “chão de fábrica” escolar. Em um apanhado desta realidade através de visitas técnicas e intercâmbio com outros consultores posso caracterizar assim, a organização, de grande parte, das escolas de ensino infantil ao médio, de Minas Gerais:
·         Salas divididas por faixa etária ou turmas – com mudanças na nomenclatura - os alunos são agrupados em turmas independentes que não se comunicam umas com as outras;
·         Trabalho com projetos – foco no olhar do professor sobre a turma – o tema pode até sair dos alunos, mas a direção ainda é única: o objetivo do professor.
·         Conteudístas – dividido em bi ou trimestre - baseada em " programas" em que os saberes, organizados numa determinada ordem, controlam o tempo e a aprendizagem; onde os professores sabem o programa e o ensinam;
·         Horários de entrada e saída normais e Recepção e portaria convencionais – apesar de todos os conceitos de marketing para educação e toda a mudança social, estes setores funcionam como há 30 anos atrás;
·         Festas: mega eventos – beleza – tempo da e para escola – interesse da escola;
·         Avaliação: retorno c/foco na escola; infantil: portifólios e relatórios, fundamental e médio: provas e trabalhos – o que os estes instrumentos dizem para a família?;
·         Tempos escolares compartimentados por módulos (50´) e disciplina (conteúdo) - a atividade de pensar é fragmentada em unidades de tempo chamadas aulas e matérias/disciplinas, que também não se relacionam umas com as outras.
·         Encontro com pais – tratar do emocional (indisciplina) e desenvolvimento (dificuldade de aprendizagem);
·         Para Casa – responsabilidade de casa, da família – é uma obrigação e não um momento com objetivos pautados na aprendizagem;
·         Não há vinculo direto entre os segmentos – existe uma mudança, até brusca, de postura do infantil para a 1ª série, da 4ª para a 5ª série e da 8ª para o 1º ano.
·         Mesmas linhas pedagógicas - os livros-texto ou material próprio do sistema adotado garantem a uniformidade do ensino e o estudo dos grandes teóricos garante o discurso;
·         Infra-estrutura = laboratórios para reproduzir a mesma aula que seria dada em sala. De nada adianta mudar a fachada, de nada adianta um belo laboratório de informática se o avanço tecnológico se colocava a serviço do atraso pedagógico.
Na sociedade que temos, é esta a escola que atende, que encanta? Onde se encaixa o discurso das inovações? A escola continua muito despreparada diante dos alunos que não têm interesse em " encher a cabeça de coisas inúteis" e que não percebem o poder e o prazer que o conhecimento acadêmico também podem lhe proporcionar. Por quê? Porque a escola ainda nos obriga a estudar mais os livros de antigamente do que a realidade que nos cerca. Na prática, o foco é ainda no olhar da escola e não no olhar da sociedade. Isto justifica a dificuldade de colocar em prática uma postura transinterdisciplinar ou o currículo para competências, por exemplo. Nossas escolas ainda estão organizadas sobre três pilares apenas: currículo (que deve ser cumprido “custe o que custar”, pois será cobrado na série seguinte ou vestibular), avaliação (nota para passar de uma série para outra) e tempo (anual, divido em períodos pelo resultado avaliativo). Vamos pensar juntos na prática, depois de tantos estudos na ultima década o que efetivamente mudou na organização escolar: O que mudou no estilo de gestão e direção? Na capacitação dos professores, para o contexto no qual o corpo docente é chamado a funcionar? Na organização dos horários e do espaço, para pais que trabalham fora e não tem tempo de acompanhar os filhos? Nos procedimentos de promoção? Na organização curricular para as competências exigidas hoje pelo desenvolvimento social? Nos diários de classe na sociedade da TI?O que legitima a educação hoje?Espero sinceramente que as respostas sejam sim, de mudanças.
A multiplicidade de atores concorrentes na escola: famílias, comunidades, docentes, discentes, diretores, supervisoras e outros, determina um ambiente estrutural particularmente complexo e que requer um esquema de análise capaz de dar conta desta complexidade. Não podemos negar que a sociedade mudou e todas as empresas buscaram adaptações, a logística mudou, a gestão mudou, o perfil mudou... A Escola mudou, é notório o desenvolvimento do setor educacional, só que ainda precisamos mudar mais, colocar em prática tudo aquilo que já apreendemos na teoria, ainda somos principiantes nos processos de gestão, na interdisciplinaridade curricular, na valorização dos talentos, no marketing do professor, na responsabilidade social, entre outros. E por que isso ocorre? Em larga escala porque o meio educacional, muitas vezes desconhece o que a “sociedade/mercado” realmente valoriza e contempla. Sem teoria não há prática, mas sem prática a teoria fica no discurso. O papel da escola é o papel instituinte da sociedade, papel de conflito para a mudança, para uma educação inter e transcultural.
É preciso lembrar que nada é mais forte no aprendizado de uma pessoa que o exemplo. Discursos e teorias, por mais brilhantes que sejam perduram menos em nossas mentes, que as ações marcantes que presenciamos. Se queremos realmente mudar e avançar ainda mais no processo educacional e preciso fazer isto primeiro em nossas ações. Na forma de lidar com o outro, no interesse pela aprendizagem, no gosto pela leitura, no compromisso com o meio ambiente, nas formas de validar o conhecimento. A máxima: “faça o que eu falo e não faça o que eu faço”, não se aplica mais ao aluno visual-imitativo que temos, são as nossas ações dentro e fora da escola que irão promover a verdadeira interação entre as novas demandas da sociedade e as novas práticas educacionais. O tempo é agora!
“Soluções do passado, em situações diferentes, podem se transformar em  problemas. Não podemos nos basear somente em experiências passadas para  resolver os problemas e sim observar as mudanças ao redor. Ficamos  presos  aos velhos hábitos que nos levaram ao sucesso e perdemos a oportunidade  de  evoluir. (Santana)”.
Ref. Bibliográfica: FRANÇA, Lilian Cristina Monteiro. Caos - Espaço - Educação. São Paulo: Annablume, 1994.
[i] Mestre e Pesquisadora em Educação. Palestrante e Consultora. Diretora da A& B Consultoria e Desenvolvimento http://www.aebcd.com.br/ e do site http://www.vaganaescola.com.br/ Contatos: therezabordoni@yahoo.com.br (31)91849405. 

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