No Ocidente, a escola passou por uma outra revolução tecnológica há algumas centenas de anos, provocada pelo livro impresso. Essa revolução deixou lições importantes, que não são tecnológicas. Uma delas é que a adoção da nova tecnologia de ensino e aprendizado é um pré-requisito para o sucesso nacional e cultural – e também para a competitividade econômica.
O Ocidente assumiu a liderança mundial entre 1500 e 1650 em grande parte porque reorganizou suas escolas em torno da nova tecnologia do livro impresso. Por outro lado, a recusa dos chineses e muçulmanos em fazer o mesmo foi um fator importante para o seu declínio em face do Ocidente. Ambos usavam a imprensa – os chineses o faziam havia séculos (embora não com tipos móveis). Porém, ambos mantiveram o livro impresso fora de suas escolas, rejeitando-o como ferramenta de aprendizado e de ensino. Os sacerdotes muçulmanos apegaram-se ao ensino recitado mecanicamente; eles viam no livro impresso uma ameaça à sua autoridade, precisamente porque ele possibilitava que os alunos lessem por conta própria. Na China, os estudiosos confucionistas rejeitaram o livro impresso em favor da caligrafia. O livro impresso era incompatível com um dogma da cultura chinesa: o domínio da caligrafia qualificava para postos de governo.
Antes de 1550, a China e o Império Otomano – a encarnação política do Islã – eram as “superpotências” mundiais em todas as áreas: política, militar, econômica, científica e cultural. Até então, ambas estavam em ascensão. A partir de 1550, ambas foram ficando cada vez mais estagnadas. Ambas passaram a olhar para dentro de si mesmas e assumiram uma atitude defensiva. No Ocidente, a escola passou a ser vista como a instituição “progressiva” e o motor do avanço em todas as áreas – na cultura, nas artes, na literatura e na ciência, na economia, na política e no exército. No Islã e na China, ao contrário, a escola passou cada vez mais a ser vista como um grande obstáculo ao progresso; a rebelião contra a escola foi o ponto de partida de todos os movimentos reformistas nessas duas grandes civilizações.
A primeira revolução no aprendizado oferece uma segunda lição, igualmente importante: a tecnologia em si é menos importante do que as mudanças que ela provoca na substância, no conteúdo e no foco do ensino e da escola. São essas mudanças que realmente importam e elas são eficazes mesmo que as mudanças na tecnologia do aprendizado e do ensino sejam mínimas.
Como fizeram os japoneses
O Japão demonstra isso. Os japoneses não seguiram o exemplo ocidental em suas “novas” e “modernas” escolas – desenvolvidas pelo movimento dos bunjin (isto é, literatos ou humanistas) do Renascimento de Quioto no final do século dezoito e início do século dezenove. O Japão não colocou o livro impresso no centro; na verdade, a caligrafia japonesa atingiu seu pico nas escolas fundadas pelos bunjin em Quioto, que depois se espalharam por todo o país. Suas escolas enfatizavam a disciplina comunicada pela caligrafia e a percepção estética que ela desenvolve – como acontece até hoje com o ensino japonês. Entretanto, as escolas dos bunjin não afastaram o livro impresso como os chineses haviam feito, mas utilizaram-no com muita eficácia. Acima de tudo, elas rejeitaram a idéia chinesa do “estudante” como membro de um grupo de elite, separado e diferente das pessoas comuns. Os bunjin visavam à alfabetização universal; em todos os lugares que visitavam, eles induziam o senhor local a iniciar escolas para as crianças em seu domínio, abertas a todas. E no conteúdo e na substância a escola bunjin aproveitou o máximo possível aquilo que aprendeu com o Ocidente e com o ensino ocidental – principalmente por intermédio dos comerciantes holandeses que residiam em Nagasaki. Na verdade, essas escolas do Renascimento de Quioto há duzentos anos talvez sejam o melhor exemplo da capacidade única dos japoneses para absorver culturas estrangeiras – no caso, chinesa e ocidental – e “ajaponesá-las”.
Foi a escola bunjin que, um século depois, possibilitou que os japoneses se tornassem os únicos não-ocidentais a formar uma nação moderna, “ocidentalizada” em sua economia, sua tecnologia, suas instituições políticas e militares, mas que permaneceu profundamente japonesa. Todos os homens que, no final do século dezenove, transformaram o Japão isolado e ainda feudal do xogunato Tokugawa no Japão “moderno” da restauração Meiji estudaram em escolas bunjin.
A tecnologia, apesar de sua importância e visibilidade, não será a característica mais importante da transformação no ensino. O mais importante será repensar o papel e a função da educação escolar – seu foco, sua finalidade, seus valores. A tecnologia será importante, mas principalmente porque irá nos forçar a fazer coisas novas, e não porque irá permitir que façamos melhor as coisas velhas.
Mais uma vez, a primeira revolução européia no aprendizado e no ensino nos dá um exemplo. A maior figura desse desenvolvimento, o homem que pode ser chamado de “pai da escola moderna”, foi Jan Amos Comenius (1592-1670), um protestante tcheco que foi expulso da sua terra natal pela Contra-reforma católica que se seguiu à derrota do levante dos tchecos contra os Habsburgos católicos, em 1618. Devemos a Comenius a tecnologia que transformou o livro impresso em veículo eficaz de aprendizado e ensino; ele inventou a cartilha e o livro-texto. Mas, para ele, estes eram apenas ferramentas. Sua escola centralizava-se em um novo currículo que ainda é, de modo geral, aquilo que as escolas em todo o mundo consideram “educação”. Seu objetivo era a alfabetização universal. E sua motivação era religiosa: capacitar seus compatriotas tchecos a permanecer protestantes e a ler e estudar a Bíblia por conta própria, mesmo que sua religião tive~se sido suprimida e seus pastores expulsos pelos papistas vitoriosos.
Portanto, o verdadeiro desafio que temos diante de nós não está na tecnologia, mas no uso que faremos dela. Até agora nenhum país conta com o sistema de ensino de que necessita a sociedade do conhecimento. Nenhum país tentou satisfazer as principais exigências. Nenhum conhece “as respostas”; nenhum pode fazer aquilo que é necessário. Mas podemos ao menos fazer as perguntas. Podemos definir – embora vagamente – as especificações para o ensino e as escolas que poderão responder às realidades da sociedade pós-capitalista, a sociedade do conhecimento.
Essas especificações exigem uma escola tão diferente daquela hoje existente quanto a escola “moderna” – cujas especificações Comenius elaborou há trezentos e cinqüenta anos – diferia daquela que existia antes do livro impresso.
Aqui estão as novas especificações:
• A escola de que necessitamos deve prover uma educação universal de ordem superi or – muito além do que “educação” significa hoje.
• Ela precisa imbuir os estudantes de todos os níveis e todas as idades de motivação para aprender e da disciplina do aprendizado permanente.
• Ela tem de ser um sistema aberto, acessível tanto a pessoas altamente educadas como a pessoas que, por qualquer razão, não tiveram acesso a uma educação avançada anteriormente.
• Ela precisa comunicar conhecimento como substância e também como processo – aquilo que os alemães chamam de Wissen e Können.
• Finalmente, o ensino não pode mais ser um monopólio das escolas. Na sociedade pós-capitalista, a educação precisa permear toda a sociedade. As organizações empregadoras de todos os tipos – empresas, agências governamentais, instituições sem fins lucrativos – também precisam se transformar em instituições de aprendizado e ensino. As escolas devem, cada vez mais, trabalhar em parceria com os empregadores e suas organizações.
As novas exigências de desempenho
O ensino universal de alto nível é a primeira prioridade. Ele é a base. Sem ele, nenhuma sociedade poderá esperar ser capaz de alto desempenho no mundo pós-capitalista e em sua sociedade do conhecimento. Equipar os estudantes com os meios para que eles realizem, contribuam e sejam empregáveis também é o primeiro dever de qualquer sistema educacional.
O primeiro impacto da nova tecnologia de aprendizado será sobre a educação universal. Através dos tempos as escolas, em sua maioria, gastaram horas intermináveis tentando ensinar coisas que eram mais bem aprendidas do que ensinadas, isto é, coisas que são aprendidas de forma comportamental e por meio de exercícios, repetição e feedback. Pertencem a essa categoria todas as matérias ensinadas no primeiro grau, mas também muitas daquelas ensinadas em estágios posteriores do processo educacional. Essas matérias – seja ler e escrever, aritmética, ortografia, história, biologia, ou mesmo matérias avançadas como neurocirurgia, diagnóstico médico e a maior parte da engenharia – são melhor aprendidas por meio de programas de computador. O professor motiva, dirige, incentiva. Na verdade, ele passa a ser um líder e um recurso.
Na escola de amanhã os estudantes serão seus próprios instrutores, com programas de computador como ferramentas. Na verdade, quanto mais jovens forem os estudantes, maior o apelo do computador para eles e maior o seu sucesso na sua orientação e instrução. Historicamente, a escola de primeiro grau tem sido totalmente intensiva de mão-de-obra. A escola de primeiro grau de amanhã será fortemente intensiva de capital.
Contudo, apesar da tecnologia disponível, a educação universal apresenta tremendos desafios. Os conceitos tradicionais de educação não são mais suficientes. Ler, escrever e aritmética continuarão a ser necessários como hoje, mas a educação precisará ir muito além desses itens básicos. Ela irá exigir familiaridade com números e cálculos; uma compreensão básica de ciência e da dinâmica da tecnologia; conhecimento de línguas estrangeiras. Também será necessário aprender a ser eficaz como membro de uma organização, como empregado.
A educação universal significa um compromisso claro com a prioridade do ensino escolar. Ela requer que a escola – especialmente aquela das crianças – subordine tudo o mais à aquisição de aptidões básicas. A menos que a escola comunique com sucesso essas aptidões ao jovem aprendiz, ela fracassará em sua obrigação crucial: dar aos iniciantes autoconfiança e competência e capacitá-los para que, em futuro próximo, possam ter êxito na sociedade pós-capitalista, a sociedade do conhecimento.
Isso irá exigir uma reversão da tendência predominante no ensino moderno e, em especial, no ensino americano. Tendo alcançado a educação universal no final da Primeira Guerra Mundial ou, no máximo, no final da Segunda Guerra, o ensino americano inverteu suas prioridades. Em vez de se dedicar a ser, antes de mais nada, um agente de aprendizado, ele se dedicou a ser um agente social. Nos anos 50 e 60, quando tomamos essa decisão nos Estados Unidos, talvez ela fosse inevitável. A gravidade e a extensão do problema racial que enfrentávamos nos forçou a fazer da escola um agente de integração racial; a herança do pecado da escravidão tem sido o maior desafio americano há cento e cinqüenta anos e é provável que assim continue por outros cinqüenta ou cem anos.
Mas as escolas não puderam realizar essa tarefa social. Como qualquer outra organização, as escolas são boas somente em sua tarefa especializada. A subordinação do ensino a metas sociais pode ter na realidade retardado a integração racial e o progresso dos afro-americanos – como afirmam hoje muitos negros bem-sucedidos. Contudo, a prioridade dada aos fins sociais, em detrimento do ensino, foi um fator importante no declínio do ensino básico americano. As crianças das classes superi ~r e média ainda adquirem uma educação básica tradicional, mas não aquelas que dela mais necessitam – as filhas de pais pobres, especialmente negros e imigrantes.
Precisamos agora reafirmar a finalidade original da escola. Não é a reforma nem o aperfeiçoamento social; ela precisa ser o aprendizado individual. Isso é o que afirmam cada vez mais os afro-americanos e hispânicos bem-sucedidos, como a vereadora negra de Milwaukee, Wisconsin, que conseguiu a aprovação de um “plano de vales”, contra a forte oposição do sistema educacional. Esse plano possibilita que os pais escolham para seus filhos escolas que enfoquem, ou melhor, exijam, aprendizado.
Essa posição será considerada elitista pelos liberais e progressistas. No entanto, a mais elitista de todas as escolas, a japonesa, criou a sociedade mais igualitária. Mesmo aqueles que não se destacam na intensamente competitiva corrida educacional do Japão conseguem adquirir, pelos padrões tradicionais, uma ótima educação e uma grande capacidade para ter um bom desempenho na sociedade moderna. Contudo, na escola japonesa, a educação básica está em primeiro lugar, com tudo o mais a ela subordinado. Mas também nos Estados Unidos existem hoje muitas escolas nas quais as crianças menos favorecidas aprendem por que isso é esperado e exigido delas.
Aprendendo a aprender
“Educação básica” significa tradicionalmente, por exemplo, a capacidade de efetuar multiplicações ou algum conhecimento da história dos Estados Unidos. Mas a sociedade do conhecimento necessita também de conhecimento de processos – algo que as escolas raramente tentaram ensinar.
Na sociedade do conhecimento, as pessoas precisam aprender como aprender. Na verdade, na sociedade do conhecimento, as matérias podem ser menos importantes que a capacidade dos estudantes para continuar aprendendo e a sua motivação para fazê-lo. A sociedade pós-capitalista exige aprendizado vitalício. Para isso, precisamos de disciplina. Mas o aprendizado vitalício também exige que ele seja atraente, que traga em si uma grande satisfação.
De todos os atuais sistemas educacionais, somente o japonês procura transmitir aos seus estudantes uma disciplina para o aprendizado. O estudante japonês que se sai tão bem em uma prova de matemática aos dezoito anos, dez anos depois não se lembra de matemática tanto quanto um americano de vinte e oito anos cujas notas foram muito piores quinze anos antes. Mas os japoneses saem das suas escolas tendo aprendido como estudar, como persistir, como aprender.
Contudo, a disciplina japonesa de aprendizado – a disciplina do “inferno” do exame de admissão à universidade – não motiva. Por ser baseada no medo e na pressão, ela sufoca o desejo de continuar aprendendo. E é desse desejo que precisamos.
Em contraste, nas escolas americanas de belas-artes o aprendizado é agradável para muitos alunos. Mas esse é um prazer isolado, privado de disciplina. Ele confunde “sentir-se bem” com realização e “ser estimulado” com disciplina.
Na verdade, sabemos o que fazer. Por centenas ou mesmo milhares de anos temos criado tanto a motivação para o aprendizado continuado como a disciplina necessária. Os bons professores de artistas fazem isso, bem como os bons treinadores de atletas e os bons “mentores” nas empresas tantas vezes mencionadas hoje em dia na literatura de desenvolvimento gerencial. Eles conduzem seus estudantes a realizações tão grandes que estes ficam surpresos, entusiasmados e motivados – especialmente para o trabalho e a prática rigorosos, disciplinados e persistentes exigidos pelo aprendizado continuado.
Existem poucas coisas mais tediosas do que praticar escalas. Contudo os pianistas, quanto maiores e mais realizados eles são, mais praticam suas escalas, hora após hora, dia após dia, semana após semana. Da mesma forma, quanto mais hábeis são os cirurgiões, mais eles praticam fazer suturas, hora após hora, dia após dia, semana após semana. Os pianistas exercitam suas escalas meses e meses para conseguir um aperfeiçoamento infinitesimal em habilidade técnica. Mas esse aperfeiçoamento possibilita que eles alcancem o resultado musical que já ouvem em seu ouvido interior. Os cirurgiões exercitam suturas meses e meses para conseguir um pequeno aperfeiçoamento na destreza dos dedos. Mas esse aperfeiçoamento permite que eles acelerem uma operação e com isso salvem uma vida. A realização vicia.
Mas essa realização não significa fazer um pouco menos mal aquilo que não se sabe fazer bem. A realização que motiva é fazer excepcionalmente bem aquilo em que já se é bom. A realização tem de ser baseada nos pontos fortes do estudante – como sabem, há milênios, todos os professores de artistas, todos os treinadores de atletas, todos os mentores. Na verdade, encontrar os pontos fortes do estudante e focalizá-los na realização é a melhor definição de professor e de ensinar. É a definição que está no “Diálogo do Professor”, escrito por um dos maiores professores da tradição ocidental, Santo Agostinho, de Hipona (354-430).
É claro que as escolas e seus professores sabem disso. Mas eles raramente puderam focalizar os pontos fortes dos estudantes e desafiá-los. Em vez disso, eles sempre tiveram de focalizar os pontos fracos. Quase todo o tempo nas salas de aula tradicionais do Ocidente – pelo menos até o curso de graduação na universidade – é gasto na correção de pontos fracos. É gasto na produção de mediocridade respeitável.
Os estudantes precisam adquirir competência mínima em matérias básicas; eles necessitam de trabalho corretivo; eles precisam adquirir mediocridade. E na escola tradicional praticamente não há tempo para mais nada. Os produtos mais admiráveis da escola tradicional, os “estudantes nota dez em tudo”, são aqueles que satisfazem todos os padrões medíocres. Eles não realizam, apenas se conformam. Porém, mais uma vez, a escola tradicional não tem opção. Dar a cada estudante conhecimentos adequados das matérias básicas é a tarefa prioritária. Isso só pode ser conseguido – mesmo em uma classe pequena – focalizando e corrigindo os pontos fracos dos estudantes.
É aqui que as novas tecnologias poderão fazer a maior diferença. Elas liberam os professores do ensino rotineiro, do ensino corretivo, do ensino repetitivo. Eles ainda terão de liderar nessas atividades. Tradicionalmente, porém, os professores gastam a maior parte do seu tempo em “acompanhamento”; uma antiga frase diz que eles gastam a maior parte do seu tempo como “assistentes de ensino”. E essa é uma tarefa que o computador faz melhor que um ser humano. Assim, podemos esperar que os professores tenham cada vez mais tempo para identificar os pontos fortes dos estudantes, focalizar esses pontos e levar os estudantes a realizações. Eles terão, esperamos, tempo para ensinar.
Porém, mesmo que a tecnologia possibilite que os professores façam isso, será que as escolas mudarão sua atitude, focalizando os pontos fortes? Será que elas estarão dispostas a ensinar a “indivíduos”, em vez de “estudantes”? Escola e professor terão de dizer: “Betsy (ou John), você precisa exercitar mais divisões; aqui estão os exemplos para você resolver”. Escola e professor ainda terão de verificar se Betsy ou John fazem de fato o trabalho. Eles ainda terão de se sentar com o aluno para explicar, demonstrar e encorajar. Mas, tendo o computador como assistente de ensino, os professores não precisarão supervisionar o trabalho em si – que é como eles passam a maior parte de seu tempo. Será que então eles estarão dispostos a focalizar os pontos fortes dos alunos? Será que estarão dispostos a dizer: “Betsy, você desenha tão bem; por que não faz os retratos de todos os seus colegas?”.
Há um segundo processo que deve ser ensinado pela escola – ou pelo menos aprendido nela: o processo necessário à obtenção daquilo que no capítulo anterior chamei de “rendimento” do conhecimento. Isso será provavelmente conseguido na prática e não na escola. As únicas instituições de ensino que hoje se preocupam com o rendimento do conhecimento são as escolas de profissões liberais, como as de engenharia, medicina, direito e administração. Essas são as escolas que focalizam a prática, e não a teoria. No futuro, porém, todos deverão ser capazes de elevar o rendimento do conhecimento. Isso requer que o processo – os conceitos, o diagnóstico, as habilidades – tenha se tornado ensinável, ou, no mínimo, possível de ser aprendido. Esse é certamente um desafio educacional.
A escola na sociedade
A escola é, há muito tempo, uma instituição social básica – desde o Renascimento no Ocidente e há mais tempo ainda no Oriente. Mas ela tem sido, tradicionalmente, uma instituição separada, que raramente ou nunca se combina com qualquer outra instituição. As primeiras escolas do Ocidente, os mosteiros beneditinos da Idade Média, treinavam principalmente futuros monges em vez de leigos. E a escola não era para adultos; a raiz da palavra “pedagogia” – paidos – é a palavra grega para “menino”.
Portanto, a maior participação da escola na sociedade poderá ser uma mudança tão radical quanto qualquer mudança em métodos de ensino e de aprendizado, em matérias, ou no processo de ensino e de aprendizado. A escola continuará ensinando os jovens. Mas com a transformação do aprendizado em atividade vitalícia, em vez de algo que se deixa de fazer quando se fica “adulto”, as escolas precisarão reorganizar-se. Elas terão de se transformar em “sistemas abertos”.
As escolas são, em quase toda parte, organizadas sobre a hipótese de que um estudante deve entrar em cada estágio com uma determinada idade, com um preparo prescrito e padronizado. Entra-se no jardim-de-infância aos cinco anos, no primeiro grau aos sete, no segundo grau aos onze, no curso superi or aos dezoito e assim por diante. Se uma pessoa perde uma dessas etapas (exceto o jardim-de-infância), fica deslocada para sempre e raramente consegue voltar ao sistema.
Para a escola tradicional esse é um axioma que dispensa explicação, quase uma lei da natureza. Mas ele é incompatível com a natureza do conhecimento e com as exigências da sociedade do conhecimento, a sociedade pós-capitalista. É necessário um novo axioma: “Quanto maior a escolaridade da pessoa, mais ela precisará de estudo adicional”.
Nos Estados Unidos, espera-se cada vez mais que os médicos, advogados, engenheiros e executivos de empresas voltem à escola peri odicamente, para não se tomarem obsoletos. Em outros países, porém, o retomo de adultos ao ensino formal ainda constitui exceção – em particular o retomo ao ensino avançado nos mesmos campos que eles já adquiriram um conhecimento substancial. No Japão, esse fenômeno ainda é quase desconhecido, como também na França, Itália, Alemanha, Grã-Bretanha e Escandinávia. Ele terá de se tornar padrão em todos os países desenvolvidos.
Ainda mais nova é a necessidade de abrir o sistema educacional, para permitir que as pessoas entrem em seus estágios com qualquer idade. Nos Estados Unidos isso está acontecendo muito depressa. Existe também a Universidade Aberta na Inglaterra. Mas esse é apenas o início.
A sociedade do conhecimento não pode se dar ao luxo de desperdiçar potencial de conhecimento; e o diploma também se tomou o passaporte para cargos de conhecimento. Mesmo em países como os Estados Unidos e o Japão, nos quais grandes números de jovens vão para a universidade, muito mais jovens interrompem seus estudos aos dezesseis ou dezoito anos. Não há razão para acreditar que a maioria desses jovens carece de dotes intelectuais para o trabalho do conhecimento. Toda a nossa experi ência mostra o contrário. Freqüentemente, a única coisa que os distingue dos jovens que vão para a universidade é a falta de dinheiro. Muitos jovens brilhantes não vão para a universidade porque estão maduros aos dezoito anos e querem ser adultos, em vez de continuar no casulo da adolescência. Dez anos depois, muitos deles querem voltar aos estudos. E então – como podem testemunhar todos aqueles que já foram seus professores – eles se tomam estudantes muito competitivos devido à sua motivação superi or. Eles querem assumir trabalhos avançados; os jovens de dezenove anos o fazem porque são mandados.
Mas há um fator ainda mais importante: manter o acesso aberto ao ensino avançado, independentemente da idade ou das credenciais educacionais anteriores, é uma necessidade social. A pessoa que trabalha em serviços precisa ter a oportunidade de passar para o trabalho do conhecimento. Isso significa que a sociedade pós-capitalista precisa criar um sistema educacional que propicie, para usar um termo de informática, “acesso aleatório”. As pessoas, em qualquer estágio de suas vidas, devem poder continuar sua educação formal e se qualificarem para o trabalho do conhecimento. A sociedade precisa estar disposta a aceitar pessoas em qualquer trabalho para o qual estejam qualificadas, independentemente de sua idade.
Hoje em dia nenhuma sociedade está organizada para isso. Na verdade, a maioria dos países desenvolvidos está organizada para manter as pessoas na posição em que elas iniciam suas carreiras profissionais. O sistema mais rígido de todos é o japonês, mas na Europa ele também é muito rígido. Os Estados Unidos foram mais longe na criação de oportunidades educacionais para adultos. A área que mais cresceu no ensino americano nos últimos vinte anos foi a da educação continuada de adultos em qualquer idade; também cresceu a oferta de conhecimentos adicionais e mais avançados a pessoas já altamente instruídas em suas especialidades. Isso dá aos Estados Unidos uma tremenda vantagem sobre todos os outros países desenvolvidos. Mas mesmo nos Estados Unidos ainda existe relutância em aceitarem trabalho do conhecimento, pessoas que não tenham adquirido suas qualificações relativamente cedo.
As escolas como parceiras
O ensino não será mais aquilo que as escolas fazem. Ele será, cada vez mais, um empreendimento conjunto, no qual as escolas serão parceiras em vez de monopolistas. Em muitas áreas as escolas também serão apenas uma das várias instituições de ensino e aprendizado disponíveis, competindo com outros fornecedores desses serviços.
Tradicionalmente, a escola tem sido o lugar onde se aprende; e o emprego o lugar onde se trabalha. Porém, essa linha irá se tomar cada vez mais indistinta. A escola será, cada vez mais, o lugar onde adultos continuam a aprender, mesmo que trabalhem em tempo integral. Eles voltarão à escola para um seminário de três dias, para um curso de fim de semana, para um programa intensivo de três semanas ou para freqüentar cursos duas noites por semana, durante vários anos, até obter seu diploma.
Mas o emprego também será um lugar onde os adultos continuarão a aprender. O treinamento não é novidade, mas costumava ser restrito aos iniciantes. No futuro, de uma forma ou de outra, ele será cada vez mais uma atividade vitalícia. O adulto ~ especialmente aquele que possui conhecimento avançado – será ao mesmo tempo treinador e treinado, professor e também aluno. Nos Estados Unidos, os empregadores já gastam com o treinamento dos empregados adultos o mesmo que o país gasta na educação dos jovens nas escolas formais.
O que ainda não aconteceu é uma parceria formal entre as escolas e as instituições empregadoras. Na Alemanha, as escolas e as empresas trabalham em conjunto há mais de cento e cinqüenta anos nos programas de aprendizado para jovens. Mas as escolas e instituições empregadoras precisarão, cada vez mais, aprender a trabalhar em conjunto também na educação avançada de adultos. Essa tarefa – seja educação avançada para pessoas altamente instruídas, seja educação complementar para pessoas que, por algum motivo, não tiveram acesso ao ensino superi or na juventude – será realizada em todos os tipos de parcerias, alianças e internações nas quais as escolas e outras organizações puderem trabalhar em conjunto. As escolas precisam do estímulo para trabalhar com adultos e organizações empregadoras, tanto quanto os adultos e seus empregadores precisam do estímulo para trabalhar com as escolas.
A escola responsável
Falamos em “boas escolas” e “más escolas”, em “escolas de prestígio” e de “outras escolas”. No Japão, algumas universidades – Tóquio, Quioto, Keio, Waseda, Hitotsubashi – controlam, em grande parte, o acesso a carreiras em grandes empresas e agências governamentais. Na França, as Grandes Écoles gozam de uma posição semelhante de poder e prestígio. E Oxford e Cambridge, embora não sejam mais monarcas absolutos dos meios acadêmicos, ainda são as superpotências do ensino superi or da Inglaterra.
Também falamos em todos os tipos de medições: a proporção de graduados de uma faculdade de belas-artes que prossegue nos estudos até o doutoramento; o número de livros na biblioteca de uma faculdade; o número de graduados de uma escola de segundo grau que são aceitos pela escola superi or da sua primeira escolha; a popularidade das diversas universidades entre os estudantes. Mas, mal começamos, perguntamos o seguinte: “Quais são os resultados dessa escola? Quais deveriam ser esses resultados?”.
Tais perguntas teriam de ser levantadas de qualquer maneira. Neste século o ensino se tornou dispendioso demais para não ter responsabilidade. Como já vimos, nos países desenvolvidos os gastos como sistema de ensino subiram de 2 por cento do PNB em 1913 para 10 por cento oitenta anos depois.
Mas as escolas também estão ficando importantes demais para não serem responsáveis pela determinação de quais devem ser os seus resultados, bem como pelo seu desempenho na consecução destes. É claro que os diferentes sistemas de ensino terão respostas diferentes para essas perguntas. Mas dentro de pouco tempo todos os sistemas de ensino e todas as escolas terão de fazê-las e levá-las a sério. Não aceitaremos mais a velha desculpa dos professores para o mau desempenho: “Os estudantes são preguiçosos e estúpidos”. Com o conhecimento como recurso central da sociedade, estudantes preguiçosos ou estúpidos serão responsabilidade da escola. Então haverá somente escolas que realizam e escolas que não realizam.
As escolas já estão perdendo seu monopólio como provedoras de ensino. Sempre houve concorrência entre as diferentes escolas – na França com a intensa rivalidade entre as escolas do governo e as escolas católicas, ou nos Estados Unidos entre diferentes universidades. Em poucas indústrias a concorrência é tão aguda e implacável como entre as “escolas de prestígio” dos países desenvolvidos. Mas no futuro a concorrência se dará, cada vez mais, entre escolas e “não-escolas”, com diferentes tipos de instituições entrando nesse campo, cada uma oferecendo uma abordagem diferente ao ensino.
Um exemplo daquilo que pode ser esperado é a grande em, presa americana, que está começando a concorrer com importantes escolas de administração. Ela está oferecendo a outras empresas o programa de gerência executiva que desenvolveu para seus próprios gerentes e está prestes a oferecê-lo também às agências do governo e às Forças Armadas. Outro exemplo é das juku japonesas. as “escolas abarrotadas”, que hoje matriculam uma grande parcela dos estudantes do segundo grau. E há a editora americana que fundou recentemente uma empresa para construir seiscentas escolas nos próximos cinco anos. Ela planeja cobrar anuidades moderadas (não mais que o custo médio de uma criança em uma escola pública), mas pretende ser altamente lucrativa. E a empresa promete resultados: “Notas altas nas provas ou seu dinheiro de volta”.
Muitos desses empreendimentos certamente irão fracassar. Mesmo assim eles serão lançados em grande quantidade.
À medida que o conhecimento se torna o recurso da sociedade pós-capitalista, a posição social da escola como “produtora” e “canal de distribuição” de conhecimento bem como seu monopólio serão desafiados. E alguns dos concorrentes certamente terão sucesso.
O que será ensinado e aprendido? Como isso será ensinado e aprendido? Quem se utilizará do ensino? Qual a posição da escola na sociedade? Tudo isso irá mudar grande mente nas próximas décadas. Na verdade, nenhuma outra instituição enfrenta desafios tão radicais quanto aquelas que irão transformar a escola.
Mas a maior mudança – e aquela para a qual estamos menos preparados – é que a escola precisará se comprometer com os resultados. Ela terá de estabelecer seu “lucro”, o bom desempenho pelo qual será responsável e pelo qual será paga. A escola finalmente se tomará responsável.
Fonte:
Peter Drucker.“A escola responsável”. In Sociedade pós-capitalista.
Editora Pioneira, São Paulo, 1999, pp. 187-201.
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