domingo, 4 de setembro de 2011

Agitação ou TDAH?


As crianças portadoras do TDAH não conseguem, sozinhas, selecionar estímulos nem manter ou mudar o foco da atenção. Muitas vezes, por falta de informação, elas são vistas simplesmente como mal-educadas ou sem limites no meio social.
Segundo a especialista em Psicopedagogia Maria Irene Maluf, o transtorno do déficit de atenção e hiperatividade, conhecido como TDAH, é uma síndrome que, quando diagnosticada cedo e tratada corretamente por profissionais, pode fazer parte da vida da criança sem causar sérios problemas em seu dia-a-dia. Ela afirma que é possível aprender a conviver bem com o transtorno.
Para Maria Irene, sua causa ainda não está perfeitamente definida, mas já se sabe que diz respeito a três aspectos: o biológico (que é a parte genética e hormonal), o psicológico e o social. “É um transtorno de origem biopsicossocial, ou seja, não se pode separar a causa genética da psicológica e da social. Para que a criança desenvolva o transtorno, é preciso que ela nasça com uma predisposição genética e ainda tenha uma estimulação do meio para desenvolver, em maior ou menos grau, esse transtorno”, explica.
Seus sintomas acabam fazendo com que o portador aja de forma diferente do padrão e, em alguns casos, implica também em problemas psicológicos que podem agravar o caso. As crianças com a síndrome têm muito problema em casa e na escola, muitas vezes são confundidas com crianças mal-educadas e sem limites. Antes que um diagnóstico seja feito - e, em muitos casos, até depois disto – as crianças sofrem com o preconceito dos seus educadores (pais e professores) e, por não receber o tratamento adequado, podem ter seu desenvolvimento intelectual e social retardado.
É importante ressaltar que alguns sintomas isolados não significam que a criança tenha TDAH. “É preciso que ela tenha vários deles e que os pais comparem com outras crianças para saber se esses sintomas são excessivos”, diz a especialista. “Quando a questão da desatenção e da agitação excessiva pode ser controlada pelo indivíduo ou pelo meio de modo eficaz, ao longo de várias horas e em diferentes situações, dificilmente se trata de uma criança ou um jovem com TDAH”, completa. Mas somente um profissional poderá diagnosticar se a criança é apenas agitada, com poucos limites ou se é portadora do transtorno. Entender a síndrome, suas causas e conseqüências é o primeiro passo para um tratamento bem-sucedido.
Em entrevista ao portal, a presidente Nacional da Associação Brasileira de Psicopedagogia (ABPp), Maria Irene Maluf, falou sobre esse transtorno, que ainda gera muita dúvida entre pais e professores, e explicou como lidar com ele em casa e na escola.

Como é a atenção das crianças com TDAH?

Antigamente, dizia-se que as pessoas com TDAH eram desatentas, mas hoje já se sabe que é o contrário: elas hiperfocam, pegam alguma coisa e ficam horas entretidas com aquilo. Além disso, têm dificuldade de entrar e, depois, de sair de alguma atividade. Então, não é que elas não tenham uma falta de atenção; o que acontece é que essa atenção é inconsistente, ou seja, essas pessoas têm dificuldade em selecionar um estímulo. Se selecionam, daí têm dificuldade em mudar de estímulo. Existe uma dificuldade para fazer esse vai-e-vem. Imagine a seguinte situação: duas pessoas estão conversando e toca o telefone; uma delas pára, atende e depois volta ao assunto normalmente. Para quem tem TDAH, isso é muito difícil porque, depois que muda de foco, não consegue retornar sem um grande esforço. Então, o que essas pessoas não têm, na verdade, é a atenção voluntária; e já foi provado, por meio de ressonâncias magnéticas, que isso é biológico e que existe uma forma muito peculiar em como a informação é transmitida no cérebro e que justifica o fato de elas não conseguirem voltar com facilidade. É necessário o atendimento psicopedagógico e, em alguns casos, também o uso de medicamentos. A atenção dessas pessoas é inconstante. Aquela criança que nunca pára tem uma cabecinha que também não pára e, então, ela acaba sempre ficando extremamente esgotada, estressada. E é claro que alguém que está cansado e estressado tem uma paciência mais curta, por isso essa crianças acabam sendo muito reativas também: se alguém dá um peteleco, ela já sai aos tapas; é uma criança que responde, fica muito brava, entra em crises de birra porque está cansada fisicamente e também mentalmente, pois isso a esgota.

A partir de que idade é possível perceber que uma criança tem TDAH?

A criança com a síndrome tem um comportamento peculiar, que pode ser observado a partir dos 4 anos, já que nessa idade a questão da atenção e da movimentação dela já é um pouco mais definida. Ela tem uma organização motora capaz de fazê-la ficar sentada por alguns períodos quietinha ou então ter uma movimentação razoável, e também já é capaz de prestar atenção. A atenção dela começa a se estabelecer e por isso é com essa idade que a criança começa a aprender as cores, as formas, etc., até que, aos seis anos, aquela que não tem o transtorno já está alfabetizada. Os casos ficam mais aparentes aos 7 anos, quando está na primeira série. A criança sem o transtorno vai para o recreio e corre, corre, corre. Depois volta para a sala, senta-se e começa a fazer a lição. Já a que apresenta TDAH volta para a sala e continua correndo. É preciso observar a quantidade do movimento, a profundidade e a quantidade de energia que é gasta o tempo todo, pois ela não pára mesmo.

Existem crianças que tem o TDAH mas não são hiperativas?
Qual a diferença entre os casos?

Sim. As meninas em geral só têm transtorno de déficit de atenção. São aquelas meninas que sentam no fundo da classe, que a orientadora nunca viu, que são tidas como superboazinhas. O problema é que elas sofrem muito. Existem também os alunos que, além do déficit de atenção, apresentam hiperatividade; e, ainda, aqueles que são extremamente impulsivos. O problema disso é que, se isso for deixado para o futuro, a hiperatividade diminui. Então, quando a criança chega aproximadamente aos 14 anos, uma determinada região do cérebro, que é responsável pela hiperatividade, fica praticamente igual tanto nos hiperativos quanto nos não-hiperativos. Já em relação à questão da atenção, se não for feito nada pela pessoa, ela vai ficar cada vez mais prejudicada, porque a atenção é uma coisa voluntária que é preciso treinar para ter e, quando a pessoa não consegue treinar esse “prestar atenção”, esse selecionar e trocar estímulo, com o passar do tempo não ganha o hábito. Podemos fazer uma comparação com “escovar os dentes”. Embora seja uma ação automática, é necessário aprender a fazer para depois fazer bem sempre.

Tem cura?

A TDAH não tem cura. Ela é como o diabete: o portador da síndrome tem de aprender a conviver com ela. O que vemos nos consultórios de psicopedagogia é que a terapia sozinha, em muitos casos, dá muito certo. Por outro lado, há uma parcela de crianças que, depois de as atendermos de seis meses a um ano, podemos constatar que realmente precisam um exame médico para que seja receitada uma medicação adequada. A partir daí, podemos trabalhar apenas para ajudar a diminuir o sintoma. Caso contrário, não há como trabalhar com uma criança que não consegue prestar atenção e não consegue parar nem um pouco. Assim, é impossível fazer com que ela aprenda as funções básicas. A criança precisa desenvolver estratégias de pensamento, como qualquer um de nós. A diferença é que conseguimos fazer isso por nós mesmos, enquanto ela precisa de um caminho para isso. E essas crianças têm condições, porque, em sua maioria, são inteligentes, mas o fato é que algumas, por razões morfológicas, não conseguem desenvolver essas estratégias e, por isso, não são capazes de planejar e de prever uma conseqüência porque, para elas, essas coisas não estão concatenadas.

O tratamento deve ser feito apenas com crianças pequenas?

Não. Agora estou fazendo um trabalho diferenciado, com jovens e adultos hiperativos que sofrem bastante porque não tiveram, no passado, tratamento nenhum e têm dificuldade para lidar com seus sintomas. Realizo também um trabalho com pais de crianças com TDAH, porque mantê-las dentro de certos limites não á fácil, e é preciso que eles entendam bem o que é o transtorno, como ele acontece morfologicamente (na fisiologia da criança) e porque elas agem daquela forma. Aí certamente fica mais fácil para todos conviverem.

Em que casos os pais devem levar a criança para fazer uma avaliação com um psicopedagogo?

Quando percebem que o seu filho é distraído demais, que ele perde muitas coisas na escola, larga o material em qualquer canto, a todo momento dá uma resposta sem muito sentido ou agressiva, fica o tempo inteiro interrompendo todos e recebem muita reclamação na escola de que ele não pára na classe, não pára de falar, que o caderno dele está muito mal cuidado ou que a letra dele é ruim. Nesses casos, é preciso que os pais avaliem se ele tem vários desses sintomas e o comparem com outras crianças para saber se esses sintomas são excessivos. Se perceberem que a criança está com esses problemas, devem buscar ajuda correndo. Se, de 4 para 5 anos, a criança não começa a se acalmar, a prestar atenção, não consegue fazer uma seqüência correta, não consegue saber os meses do ano, não consegue decorar coisas desse nível, começa a ter dificuldade de ficar sentado a não ser que seja na frente da televisão, não se entretém ou quando se entretém faz um escândalo para mudar de atividade. Os pais devem fazer uma consulta com um psicopadagogo para iniciar um tratamento.

O uso de medicamentos é indicado em quais casos?

Tem alguns casos em que você olha para a criança e é explícito que não será possível trabalhar com ela sem diminuir o sintoma. Tomar ritalina é como tomar uma aspirina, passa a dor de cabeça, mas se você tiver uma infecção ela vai passar, mas não vai curar. Normalmente quando a hiperatividade é muito alta eu faço o diagnóstico e peço aos pais que levem a criança a um neurologista ou psiquiatra infantil. Em geral eu peço que encaminhe ao psiquiatra quando percebo outras comorbidades junto porque nesses casos a eles têm o humor muito oscilante, aparecem várias síndromes juntas e por isso tem muito disléxico que também tem TDAH e muita criança que também apresentam distúrbios de ansiedade ou bipolares. Essas comorbidades complicam muito o quadro aí é preciso dar uma sustentação diferenciada nesses casos. Quando a criança vem medicada para a terapia é possível trabalhar melhor e o tratamento vai mais depressa e de uma forma mais gostosa para a criança.

E esses medicamentos causam dependência?

Não, nenhum deles. A criança pode usar por um período menor ou maior sem problemas para ela. A ritalina, por exemplo, é receitada há 15 anos. O paciente toma por aqueles anos enquanto faz terapia, depois ele aprende alguns truques para se controlar e compensar os sintomas. O problema é que alguém disse algum dia que viciava, mas é o contrário.

Quais seriam esses “truques”?

O TDAH aprende a usar uma ou duas agendas, tem sempre uma de bolso e uma na mesa ou em casa. Aprende a usar quadro de avisos em casa, aprende a usar recursos que o faça lembrar dos compromissos, desde os mais simples como o aniversário de um familiar a festa de Natal. Caso contrario eles não lembram, eles precisam ter uma organização muito grande como uma secretária particular o tempo todo. É preciso criar um estilo de vida no qual esteja submetido aos próprios horários e às próprias necessidades dele sem que outros tenham que fazer isso por ele. São pessoas que vivem com lembretes, bipes para que consigam fazer suas coisas.

Por que não é recomendado o uso de medicamentos no fim de semana?

Porque normalmente nos fins de semana a criança não é submetida a atividades formais e o efeito que se pretende com o uso desses medicamentos é ter uma condição melhor de aproveitamento na educação formal ou quando nas sessões de terapia.

Professores que trabalham com crianças que tomam medicamentos devem ter algum cuidado especial?

Não, o tratamento deve ser igual. Eu gosto que o professor saiba do uso apenas para que ele aproveite os melhores horários do remédio, porque nós sabemos quais são eles. Dessa forma o professor pode fazer naquele horário as atividades que o aluno gosta menos e por conseqüência deixar para os outros, quando ele está mais agitado, as atividades que o aluno gosta mais. Assim o aproveitamento fica maior.

Quais as principais dificuldades na aprendizagem dessas crianças?

Metade dessas crianças não chegam a ter problemas de aprendizagem ao menos no início da vida escolar. Algumas chegam a ter problemas apenas lá pela 7ª série porque muitas apesar de desatentas, ou com uma leve hiperatividade elas conseguem com aulas particulares se sair bem. O que geralmente acontece é que não prestando atenção ela vai perdendo parte do conteúdo e todo conteúdo tem um pré-requisito e chega uma hora que a “bomba” explode. É muito difícil me recordar, entre todos os meus pacientes, um que não tenha reprovado ao menos uma vez, porque uma hora tem que acertar o relógio. O relógio biológico e emocional deles correm em tempos diferentes e a escola corre em um ritmo igual para todos, então tem um momento que é preciso zerar os ponteiros e começar de novo para que eles possam acompanhar. Agora, tem uma outra porcentagem que tem dificuldade de aprendizagem em diversos graus, mas normalmente as dificuldades deles são devidas as questões práxicas, a desatenção e a hiperatividade que não permite que a criança alcance na totalidade aquilo que lhe é ensinado. A questão da atenção é básica, se você não presta atenção, você não memoriza e essa é uma as teorias que apóiam que a dificuldade que essas crianças têm em começar a falar se dá pela falta de atenção que elas têm em ver e observar a forma que os pais falam, por exemplo.

Atualmente qual é o tratamento mais indicado nos casos de TDAH?

Temos vários tipos de abordagem, uma que é usada muito, principalmente na Europa é a terapia comportamental. Com ela você trabalha em um esquema como uma norma de jogo. Não que a criança vá ganhar um chocolate cada vez que ele fizer uma coisa certa, não é isso. Funciona assim: se estamos jogando temos que seguir uma norma, caso contrário o jogo termina. Então o que é buscado com esse tratamento é fazer com que a criança entenda a vida como um jogo que tem uma norma a ser seguida. Cada vez que ele ganha, que faz uma coisa certa, a princípio ele ganha várias coisas e com o tempo você o elogia menos, dá menos atenção, mas dá intermitentemente, uma vez agora depois duas vezes não. Então começamos o trabalho assim, deixamos ele se distrair um pouco e só chamamos a atenção da criança quando realmente o caso é grave, quando está em risco ou atrapalhando muito e deixamos para elogiar quando ele está parado.

De que maneira os pais também podem contribuir com o tratamento?

No geral o que acontece é que os pais dão atenção para as crianças quando estão fazendo bagunça, quando estão quietas é que é o momento de olhar o filho, sentar com ele, conversar com ele, olhar no olho dele, pegar no colo, dar carinho, jogar com ele, a criança precisa de troca, de afeto. Isso tudo ajuda muito no tratamento das crianças com TDAH, o suporte emocional porque normalmente elas são muito carentes porque o meio não é muito simpático com elas, acabam se sentindo rejeitadas por isso o afeto em casa pode ajudar a suprir esse sentimento delas.

Que tipo de orientações podemos dar aos professores para lidar com isso em sala de aula?

Eu penso que os professores por mais preparados que eles sejam devem em primeiro lugar procurar sempre estar se atualizando (leitura, palestras, grupos de estudos). Segundo, se você recebe um aluno disléxico você tem que entender um pouco daquilo então acho muito válido o professor pedir um auxílio para seu orientador para que tenha contato com o profissional que lida com aquela criança. Tenho certeza que o profissional terá muito prazer em auxililar, passar material, dar orientações de como lidar melhor com a criança. Então essa troca é muito importante principalmente para a criança. Afinal cada profissional na sua área pode ajudar com o comprometimento que os professores e os psicopedagogos têm com a vida dessas crianças.

Por Gizáh Szewczak

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