sábado, 10 de setembro de 2011

Timidez ou Transtorno da Ansiedade Social?

O diagnóstico que faz a diferença

Muitas pessoas potencialmente talentosas não conseguem se desenvolver e deslanchar, seja no trabalho, nos estudos, na vida afetiva ou social, pelo que parece ser um excesso de timidez, mas que, na realidade, é muito mais que isso. Essas pessoas são portadoras do Transtorno de Ansiedade Social (TAS), uma doença subdiagnosticada que tem sintomas semelhantes aos da timidez. Essa semelhança só atrapalha porque muitos sofrem a vida inteira sem saber que existe tratamento e podem se curar.
Quem sofre de ansiedade social tem medo excessivo de críticas e evita se expor. Tem baixa auto-estima, excesso de preocupação com o que o outro vai pensar e receia a avaliação da sociedade. A pessoa se sente incapaz de dar conta dos desafios cotidianos em que precise se posicionar, interagir e se afirmar, já que teme ser ridicularizada ou humilhada. Se precisar falar em público, entra em pânico: gagueja, transpira, esquece o que vai dizer ou simplesmente se recusa a fazê-lo.
A auto-imagem negativa acaba se confundindo com falta de capacidade, de talento ou de firmeza, o que reforça a convicção do ansioso de que é mesmo um fracasso.
Um estudo brasileiro, premiado, em 2008, no 16º Congresso Europeu de Psiquiatria, em Nice, na França, deu mais um passo para o melhor conhecimento do TAS, possibilitando, inclusive, a criação futura de remédios mais eficazes contra a doença.
Nesse trabalho, realizado pela equipe da psiquiatra e pesquisadora Maria Cecília Freitas Ferrari, do Departamento de Neurociência e Ciência do Comportamento da USP, identificou-se estruturas cerebrais relacionadas ao TAS, possibilitando um melhor entendimento da fisiopatologia deste transtorno. O estudo envolveu profissionais de radiologia, medicina, psicologia e psiquiatria que durante um ano e meio estudaram pessoas com transtorno de ansiedade e compararam o resultado com outras que não tinham o problema.
Nessa entrevista, a médica fala sobre a principal característica da doença e alerta para os problemas que o TAS pode ocasionar quando não diagnosticado e tratado. Vale a pena conferir as informações. Se você quiser saber mais, use o Fale Conosco.

Quais as diferenças entre pessoas tímidas e pessoas que sofrem de Transtorno de Ansiedade Social? Todo tímido é candidato a sofrer de TAS?

Timidez muitas vezes é confundida com TAS inclusive por terem características em comum, como a dificuldade em se expressar. Porém, é importante salientar que para um indivíduo preencher critério para o TAS é necessário que haja prejuízos no seu funcionamento psicossocial, como outras patologias em saúde mental. Na prática, por exemplo, uma pessoa tímida pode não se sentir à vontade em falar em público mas o fóbico social, além de não se sentir bem, vai apresentar prejuízos relacionados, como não conseguir alcançar o desempenho adequado devido à ansiedade ou mesmo evitar veementemente o falar em público, apesar das consequências ruins na sua vida escolar, laborativa ou social. Agora, o contrário também é importante: um indivíduo sempre visto como tímido pode na verdade apresentar um quadro de ansiedade social que nunca será tratado caso não seja identificado. Nestes casos,  a investigação dos prejuízos advindos da sua interação com o mundo por um profissional qualificado faz-se necessário visto que existe tratamento. 

Já se tem um “perfil” das pessoas mais afetadas pelo TAS? 

Sabe-se que, na maior parte das pessoas, o TAS tem início muito cedo, sobretudo na pré-adolescência, período crítico em que grande parte das habilidades sociais são formadas. Pelo início cedo, também este transtorno muitas vezes é confundido com “tipo de personalidade” e não merece investigação. Em relação ao gênero há uma preponderância do sexo feminino nos estudos de comunidade. Uma associação com condições sócio-econômicas não está ainda estabelecida.

A super-timidez sempre foi mais atribuída a causas externas, como experiências negativas de vida e educação. Pode-se dizer que o seu trabalho muda essa visão, ao perceber condições fisiológicas que favorecem o TAS? E que condições seriam essas?

No nosso trabalho são identificadas regiões anatômicas relacionadas com o acometimento de TAS, o que representa um grande avanço para o entendimento deste transtorno. Por exemplo, um maior grau de ansiedade social foi correlacionado com maior volume de uma estrutura muito envolvida na ansiedade, a amígdala cerebral. Já uma auto-avaliação negativa, muito comum no TAS, foi correlacionada com uma estrutura denominada córtex cingulado anterior, que processa nossas emoções. Porém, saber se essas alterações são geneticamente herdadas ou se foram adquiridas com o tempo ainda é uma resposta complexa a ser buscada. Hoje toda a literatura (seja na parte genética, em estudos com animais, em neuroimagem) aponta que o que existe na verdade é uma interação entre os fatores genéticos e ambientais para a consolidação de um quadro de TAS. Assim, tanto há estudos que comprovam que a incidência de TAS é mais freqüente entre gêmeos quanto há estudos em que as interações com a família e o mundo foram decisivas na manifestação do TAS, marcadas por pais muito rígidos e pouca valorização das expressões emocionais do sujeito. Resumindo, existe sim uma tendência genética para o TAS, mas o acometimento do mesmo vai depender muito do tipo de interação com o ambiente que este sujeito irá se desenvolver.

O TAS tem tratamento? Quais as possibilidades de sucesso? 

Sim. O tratamento para o TAS pode ser realizado tanto através de remédios quanto através da psicoterapia. Casos leves a moderados costumam responder somente com a psicoterapia, sendo que a linha que mostrou maior evidência de sucesso é a Terapia Cognitivo-Comportamental, na qual o terapeuta irá fazer uma análise dos fatores que contribuem para o indivíduo manter seus comportamentos disfuncionais e auxiliá-lo a se expor às diferentes situações sociais. A chave do tratamento para a Ansiedade Social é a exposição às situações sociais pois é assim que ele vai construir uma outra relação com o mundo. Mas esta exposição geralmente não é fácil e por isso a grande ajuda dos profissionais de saúde mental, seja psiquiatra ou psicólogo, neste processo.
Em muitos casos a farmacoterapia é necessária, pois ela reduz a ansiedade global do indivíduo com TAS favorecendo a melhora do quadro. Muitas vezes o indivíduo foge das situações sociais pelo imenso mal-estar que acompanha cada tentativa de se expor (como taquicardia, suor nas mãos, frio na barriga, entre outros..) sendo que a medicação também alivia esses sintomas somáticos e pode facilitar muito para que o indivíduo supere seus temores.
A associação entre a farmacoterapia e a psicoterapia é extremamente indicada no TAS e tem mostrado maior eficácia do que tratamentos isolados de uma forma geral. A redução da ansiedade provocada pela medicação favorece, por exemplo, que o indivíduo experimente se expor mais facilmente às situações sociais e melhore muito o seu desempenho social. Importante novamente salientar que quem não experimenta se relacionar com a vida de uma outra forma dificilmente melhora somente com medicação. Costuma-se manter a medicação por cerca de dois anos, embora a duração seja extremamente variável. Sabe-se que quem realiza psicoterapia adjuvante tem maior facilidade na retirada da medicação.

A falta de tratamento pode ter conseqüências graves? De que tipo?  

Relacionar-se é essencial no nosso desempenho na sociedade. Indivíduos com TAS podem ter maiores dificuldade em se casarem, em terem amigos e nos estudos de comunidade acabam tendo salários menores que quem não apresenta este transtorno. É só imaginarmos que são pessoas que não conseguem ter o desempenho que deveriam ter pela imensa ansiedade que os domina no contato com o outro. A longo prazo um quadro não tratado de TAS pode caminhar para depressão, dependência de álcool e outros drogas (em uma tentativa de auto-medicação) e outros transtornos de ansiedade, como o Transtorno do Pânico.  A maioria que procura tratamento no consultório médico não vai devido à Ansiedade Social, mas devido a essas graves conseqüências que este transtorno leva. Por isso a identificação precoce do quadro é tão importante, inclusive para uma melhor resposta e menores conseqüências deletérias para a vida do indivíduo.

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