quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Os tropeços da razão e os grotões da ignorância


            Galileu disse que a terra girava em torno do sol. Darwin afirmou que os homens e os macacos têm antepassados comuns. Einstein disse que massa vira energia e que o tempo anda mais devagar em um avião. Estas mudanças de paradigmas foram marcos importantes no desenvolvimento da ciência.
            Com a sua espantosa imaginação, cada um destes gigantes da ciência abalou as bases do conhecimento na sua área. Mas no fundo, a revolução científica maior foi na forma pela qual se passou a decidir quem tinha razão. Galileu, foi condenado e quase queimado em praça pública pelos tribunais da Santa Inquisição. Os curadores da verdade eram os religiosos e seus critérios de verdade eram as escrituras sagradas. Após décadas titubeando, Darwin, arrosta o pensamento religioso da época. Mas já não se arriscava a ser queimado vivo e a discussão lentamente pendeu para os argumentos científicos. No início do século XX, toma corpo a teoria da relatividade, incendiando a física clássica. Mas diante da novidade, a Igreja nada disse e os físicos perguntaram: "Ah é? Cadê a evidência?"
            A marca do progresso científico é justamente o maior peso que vai ganhando a evidência empírica para decidir quem está certo. Perde espaço a fé, a ideologia e a superstição nessa tarefa. Cada vez mais, é o teste da realidade quem decide, marcando a transição de Galileu para Einstein. Mas obviamente, nem todas as ciências avançam em igual ritmo. E a geografia do progresso é cheia de grotões sombrios, onde ainda impera o espírito da Inquisição. Na topografia brasileira, há muitos grotões.
            Avança a medicina baseada em evidência. Ótimo. Contudo, embora as preocupações com os transgênicos não sejam descabidas, trata-se de um assunto científico onde houve um retrocesso. Voltamos aos tempos de Darwin. Ao invés de vasculhar a evidência científica disponível, o assunto recende a anti-capitalismo, protecionismo europeu e querelas de poder.
            Na economia, as cores ideológicas tingem cada vez menos o processo decisório. O nosso bom jornalismo econômico fala do mundo real, desvencilhando-se da mitologia e dos modelos simplistas. Mas ainda há padres e pregadores, falando de FMI e ALCA, sem nada conhecer do assunto. Volta a Santa Inquisição, agora vestida de patrulha ideológica.
            Muitos cometem o erro elementar de duvidar dos resultados das estatísticas. Devemos duvidar dos métodos de coleta, dos procedimentos de análise e das interpretações. De resto, boa parte da formação científica consiste em aprender a desconfiar e a encontrar erros nestas etapas. Contudo, se não somos capazes de detectar vícios nos processos usados, não podemos recusar os resultados. Pena que essa disciplina intelectual seja mais difícil do que dar palpites sobre o que não se estudou e ainda menos se aprendeu.
            Já se disse que há um limite ao que se pode fazer com números, bem como um limite ao que se pode fazer sem números. Julgamentos morais e escolhas acerca do nosso futuro não se resolvem por números. Mas o erro oposto também ocorre, pois na educação, resvalamos para épocas pré-científicas, tratando assuntos quantificáveis sem usar números. É como discutir o peso de alguém, ao invés de pedir que suba na balança. Não tomamos conhecimento dos avanços da quantificação para medir quanto os alunos aprenderam na escola. Queremos discutir se a educação piorou sem usar ou entender as estatísticas. Decidimos qual forma de ensinar é melhor, sem medir se com ela os alunos aprendem mais. Os supostamente doutos criticam o Provão, sem ter a cultura técnica para fazê-lo. Não fosse bastante, a evidência rigorosamente controlada é tratada como mais um palpite de mais alguém. De Einstein, involuímos para Galileu.
            Para José Guilherme Merquior, "os problemas [no Brasil] são sempre apresentados de maneira abstrata, principista e apriorista. Portanto, o coeficiente de análise empírica, de exame concreto de realidades verificáveis é muito pequeno. … Falam de noções abstratas…O resultado é que se restaurou no Brasil o estilo escolástico de debate. Uma das melhores definições de escolástica como estilo retórico diz que ela era uma maneira precisa de falar de coisas vagas".

Claudio de Moura Castro

Nenhum comentário:

Postar um comentário