Tornar o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) atraente o suficiente para todos os estudantes brasileiros ainda é um desafio para o governo federal. Depois das mudanças promovidas em 2009, o exame ganhou não só um novo formato, mas passou a substituir o vestibular de muitas universidades federais em todo o País. Ainda assim, grande parte dos jovens que termina o ensino médio não parece interessada no exame.
Em 2009, 1,7 milhão de jovens terminou a educação básica e 45,8% (824 mil) participaram da prova. No ano passado, a proporção de alunos em fase de conclusão do ensino médio aumentou para 56,4% (1 milhão). No entanto, os dados divulgados nesta segunda-feira pelo Ministério da Educação mostram que a maior dificuldade é atrair os estudantes das escolas públicas para o Enem.
O ministro da Educação, Fernando Haddad, defendeu a obrigatoriedade do exame para mudar essa realidade e tentar obter melhores indicadores em relação a etapa escolar. O exame, que é voluntário, passaria a exigir que os estudantes fizessem as provas sem que, para isso, tivessem de tirar alguma nota específica, como ocorre no Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade), no ensino superior. “Ele seria incorporado ao ensino médio como componente curricular”, afirmou.
Haddad afirmou ontem, 13, que se mais instituições de ensino superior utilizarem o Enem como processo seletivo, o exame ficará mais atraente para os jovens. "As Secretarias Estaduais de Educação têm um papel maior nisso do que o MEC. Vale lembrar também que muitos estudantes do mundo inteiro não almejam o ensino superior mesmo", comentou.
De acordo com o Censo Escolar de 2010, 26.497 escolas ofereciam turmas de ensino médio regular no Brasil. Desse total, 90% (26.099) tiveram alunos fazendo as provas do Enem. Das 18.884 escolas públicas de ensino médio brasileiras, 17.211 (91%) conseguiram ter participantes no exame. Entre os 7.613 colégios da rede privada, o percentual de escolas com participação na avaliação é menor, de 87% (6.689 colégios), mas o nível de participação por instituição é imensamente maior.
Pela primeira vez, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), responsável pelo exame, divulgou os resultados de acordo com a taxa de participação dos estudantes de cada colégio. As escolas da rede pública estão entre as que têm menor quantidade de participantes. As públicas representam 93,2% do total de 5571 escolas que tiveram apenas entre 2% e 25% de seus alunos fazendo as provas. Apenas 6,8% das privadas estão nessa situação.
Das 5.193 escolas públicas que estão na faixa de menor participação, 1.031 tiveram menos de 10% de estudantes matriculados respondendo às questões das provas do Enem. Outras 2.556 conseguiram com que apenas entre 10% e 20% de seus alunos fizessem a avaliação. E, por fim, 1.606 colégios atingiram entre 20% e 25% de participantes no exame.
Por outro lado, as privadas representam 75,6% dos colégios com mais de 75% dos estudantes participando do exame (de um total de 4.588 instituições). Já a rede pública tem apenas 24,4% nessa realidade. Entre as 5.380 escolas que tiveram entre 50% e 75% de participação, 64,7% eram públicas e 35,3%, privadas. Na outra faixa (de 25% a 50% de participantes), as particulares também são minoria (11,2%) e as públicas, maioria: 88,7% do total de 8.361 escolas nessa situação.
Diferenças entre Estados
Pernambuco é o Estado com maior proporção de escolas com menos de 25% de estudantes participando do Enem. Dos 1.188 colégios pernambucanos, 40,5% estão nessa condição. A realidade da rede pública é ainda pior: 58% das 812 instituições federais, estaduais ou municipais tiveram menos de um quarto de alunos matriculados fazendo o exame. Menos de 25% dos estudantes da rede pública baiana se interessaram pelo Enem 2010.
Na região Sudeste, os exemplos confirmam a tendência. No Rio de Janeiro, 39% das escolas públicas se concentraram na faixa de menor participação no Enem. Entre a rede privada do Estado, o índice cai para 7,4%. Em São Paulo, os números também são semelhantes: 32,6% dos colégios da rede pública tiveram até 25% de participantes no exame, enquanto entre as particulares essa é a realidade de apenas 5,1% das escolas.
Baixa autoestima
Para quem lida de perto com os estudantes da rede pública, a baixa autoestima deles é um dos maiores causadores da autoexclusão dos alunos do Enem. Júlio Gregório, que foi professor e diretor de colégios públicos do Distrito Federal durante 34 anos, conta que os argumentos de muitos adolescentes para justificar a falta de interesse no exame é a crença de que não são capazes de conseguir bons resultados ou de competir com alunos de escolas privadas.
“Eles acham que a própria escola é fraca, dizem que faltam professores, que não viram todo o conteúdo que deveriam. Os estudantes não vêem chances de chegar ao ensino superior”, lamenta. Ele defende que gestores e professores cumpram sua parte em estimular e fazer um bom trabalho para mudar essa realidade. “Essas avaliações são importantes para ter acesso a universidades, bolsas de estudo e até empresas já estão de olho no desempenho dos meninos no Enem. É preciso acompanhar o processo de perto e não só dar estímulos genéricos”, diz.
Gregório conta que, enquanto era diretor, conferia as inscrições de todos os alunos do 3º ano do ensino médio durante todo o prazo concedido pelo MEC para isso. Depois, acabava ele mesmo inscrevendo aqueles mais desligados e os avisava. “Faz parte da adolescência também deixar tudo para depois e muitos se arrependem”, argumenta.
Para o ex-diretor, a proposta defendida pelo ministro Fernando Haddad de tornar o exame obrigatório será inevitável no futuro. “Ninguém quer ter o trabalho fiscalizado, mas acho importante fazer com que as pessoas assumam suas responsabilidades nas escolas também”, afirma. Mozart Neves Ramos, integrante do Conselho Nacional de Educação (CNE), também acredita que o Enem deve ser a avaliação da qualidade de ensino oferecida na fase final da educação básica. No entanto, argumenta que o governo precisa fazer o “dever de casa antes”.
“Primeiro, precisamos melhorar as condições de trabalho das escolas, a carreira do professor e melhorar os currículos do ensino médio”, pondera. Neves Ramos lembra que o processo de auto-exclusão dos estudantes da rede pública do Enem é antigo. “Eles não têm segurança no ensino que recebem. Grande parte não estuda o conteúdo que precisa, não têm professores de várias disciplinas ao longo do ano e sofrem com a desorganização curricular da escola. É natural que desacreditem na própria capacidade de chegar ao ensino superior”, comenta.
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