sexta-feira, 9 de setembro de 2011

FAÇA O QUE EU FALO, MAS NÃO FAÇA O QUE EU FAÇO

Por Élide Camargo Signorelli     
Não é fácil educar filhos. Um filho tem, em nossa vida, muitos significados. A possibilidade de gerar um ser é, sem dúvida, uma experiência que movimenta nossas profundezas, com o que elas têm de águas claras e obscuras.
Podemos planejar a concepção de um filho. Resolve-se que ele vai acontecer depois de garantido um mínimo de estabilidade econômica e emocional.
Ele vem concebido como fruto do amor entre o casal, como desejo de perpetuar a existência no planeta ou, ainda, como forma de encobrir conflitos existenciais.
Ele pode acontecer fora de qualquer planejamento. Vem na adolescência da jovem desnorteada, para ajudar o jovem a sair de casa ou para tampar vazios e carências.
Podemos ter filhos para cuidarmos deles e podemos tê-los para que outros os criem.
De qualquer maneira, eles entram em nossa vida em um momento de nossas histórias pessoais, cada qual com um desenvolvimento particular.
Os pais trazem, em seu enxoval psíquico, um drama pessoal com enredo e funcionamento dinâmico decorrentes da integração dos aspectos biológicos, psicológicos, sociais e culturais. É uma bagagem que tem o seu colorido próprio, seja pendendo para o nefasto, seja para o vibrante, seja ainda para outras tantas nuances.
Dentro dessa bagagem, estão as identificações pessoais que foram construídas desde o nascimento, as imagens sensoriais de vivências remotas e memórias. Estão em alguma parte dessa grande mala os afetos acompanhando as experiências, as dores, as alegrias e os conflitos. Acrescentemos os valores, pensamentos e ações, tudo isso libidinizado pela sexualidade e agressividade, nossas energias essenciais.
E também podemos dizer que, nessa mala, trazemos os registros ancestrais da vivência coletiva da humanidade.
Enfim, penso que já deu para sentir o peso dessa bagagem.
Tenho esse trabalho todo com a intenção de trazer à luz o que é que está em jogo quando se pensa sobre a relação com os filhos e sua educação.
Impotentes e desamparados, ficamos ávidos por escutar psicólogos, pedagogos, pediatras, padres e outros discorrerem suas orientações sobre o que se deve fazer com crianças e adolescentes.
Há quem diga, com arrogância, que onde se cria um filho, criam-se dois, três e assim por diante. E há quem diga que, sejam os filhos dois, três, dez, todos serão criados e amados da mesma forma. Como precisamos dessa formatação, não? O quanto isso nos poupa de constatarmos que, ao contrário, cada ser que nasce é único e institui um sistema igualmente único com seus pais e o ambiente à sua volta; e que por isso mesmo, é necessário um acompanhamento personalizado para cada um.
Quando sentimos, pensamos e agimos com os filhos, é com toda essa bagagem que entramos. Com ela, e apesar dela.
Nossa história está presente o tempo todo, nas ausências e nas presenças, num certo clima emocional. Falar com o filho não pode estar dissociado de tudo isso.
O antigo ditado que diz: “Faça o que eu falo, mas não faça o que eu faço” não agüenta o tranco de um verdadeiro desenvolvimento pessoal.
Por isso, se quisermos criar filhos, cuidemos primeiro de nossas vidas, do que pensamos e fazemos, e só depois comecemos a falar, e assim mesmo, menos, bem menos.
Élide Camargo Signorelli – psicóloga com formação psicanalítica pelo C.P.CAM, Centro de Psicanálise de Campinas, e especialização em adolescência pelo Departamento de Psiquiatria da FCM da Unicamp.
Fonte: Revista Íntegra

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