terça-feira, 5 de julho de 2011

A Difícil Arte de Educar

Por Ana Paula Novaes*

         Como educar os filhos? Esse é o grande dilema que enfrentam os pais. Ter a certeza de que a forma como se está agindo é a mais correta é um questionamento permanente na cabeça dos adultos.
       Nesta entrevista, o médico, psicodramatista e conferencista Içami Tiba fala sobre a atual relação entre pais e filhos e dá dicas de como educar as crianças hoje em dia. Autor de mais de 14 títulos, com mais de 500 mil livros vendidos – “Quem ama, educa!” tem mais de 155 mil exemplares editados desde de seu lançamento, em novembro do ano passado – Içami Tiba acredita que os pais perderam a referência de como educar os filhos.

Folha Dirigida – O senhor é autor de frases como “Amor demais estraga”. O que exatamente isso quer dizer?
Içami Tiba – Muitos pais, em nome do amor, deixam de cobrar coisas que precisam cobrar e ficam poupando os filhos; o amor é poupar, nessa linguagem de excesso de amor estraga. O verdadeiro amor tem que educar a outra pessoa e, para educar, muitas vezes, é preciso ajudar a organizar a vida, ajudar o filho a fazer o que ele é capaz. Mas os pais ficam poupando e acabam estragando seus filhos, em vez de ajudá-los.

Folha Dirigida – Como o senhor vê as atuais relações desenvolvidas entre pais e filhos na maioria das famílias brasileiras?
Içami Tiba – Hoje a relação está muito ruim, pois os pais perderam a referência. O que servia para a infância deles, já não serve mais para os filhos. Acho que os pais precisam se educar para serem pais. Ser pai biológico já não é suficiente. Os pais não estudam, não se preparam e acham que serão capazes de educar os filhos em um mundo que é completamente diferente do mundo em que eles nasceram. Eles precisam ficar atentos, pois nunca foi tão fácil educar os filhos se houver interesse. Hoje, os pais têm televisão à vontade, com programas que falam sobre educação, rádio, muitas revistas, onde ele pode prestar atenção em algo e pensar naquilo que está fazendo. Vai descobrir como, de repente, pode mudar o curso da história e não ficar submetido a essa história de que não é possível. Não é isso que levará a saúde para a casa. O que deve fazer é ver o que pode dar certo e começar a se mexer para melhorar as coisas.

Folha Dirigida – O bom senso tem sido devidamente utilizado na educação de nossas crianças e jovens?
Içami Tiba – Não adianta ter bom senso. É preciso informação e conhecimento, é preciso praticar ser pai. Não é só bom senso, pois o bom senso leva ao que está acontecendo, que é o filho ser uma colcha de retalhos de educação e não o resultado de um projeto educativo. Cada hora se faz de um jeito e os pais pensam que acertaram, mas no fundo ainda estão fazendo cada um de uma forma: o pai, a mãe, a avó, a babá – e ainda querem que os filhos tenham equilíbrio. Deve haver um planejamento, um projeto educativo. A educação é um projeto, é algo que tem um caminho, que não pode ser simplesmente de qualquer forma. Deve ser muito elaborada, pois é o futuro do filho e da família que estão em jogo.

Folha Dirigida – O senhor concorda com a tese de que os pais, cada vez mais, têm medo de exercer seus princípios de autoridade com os filhos e que, quando o fazem, muitas vezes, é sem medida?
Içami Tiba – Os pais estão confundindo. Estão achando que se pouparem os filhos estarão educando bem. Mas não estão. Educar bem é, exatamente, estabelecer limites, aqueles limites necessários para uma boa convivência onde o filho aprende não só a fazer o que precisa, mas também a respeitar os pais, a ter um sentimento de gratidão. Essas são coisas fundamentais que os filhos estão deixando de fazer, o que é muito ruim. Os pais não têm prática, fazem as coisas de forma errada, se arrependem e pedem desculpas e deixam os filhos fazerem tudo outra vez. No fundo ainda não sabem como educar e quando se põem a fazer acham que erraram na dose.

Folha Dirigida – Os dois extremos – da superproteção ao total abandono – ainda são comuns no trato de pais a seus filhos? Quais os prejuízos de cada uma dessas práticas?
Içami Tiba – A total proteção, às vezes, é total abandono, pois se protege coisas que, em vez de desenvolver o crescimento do filho, acabam isolando o filho. Isso faz com que, em vez do filho ser uma pessoa mais livre, acabe se tornando uma pessoa solitária. As duas práticas são ruins. A superproteção não desenvolve a capacidade de resolver sozinho os seus problemas, que é o foco da saúde social. A saúde social significa arcar com as responsabilidades de seus atos. Já o abandono cria uma auto-estima de rejeição, em que ele fica como se fosse uma pessoa que, antes de tudo, busca uma aceitação, uma aprovação. Ele não quer ver se o seu trabalho está bom, mas se está sendo aceito ou não. São aquelas pessoas que se vendem, se entregam, passam de seu ponto para serem aceitas. É como se houvesse uma rejeição original. A auto-estima se dá em duas fases. A primeira é aquela que depende do amor recebido dos pais e a segunda, conforme ele vai realizando coisas, se tornando mais capaz, ou seja, quanto mais ele realizar, mais prazer de realização terá, e nesse prazer de realização vai compondo a sua auto-estima. No abandono, a auto-estima que depende da primeira fase fica muito baixa. Mas, às vezes, são pessoas que não tiveram pai e mãe que se transformam em grandes amadores do social. Superando essa falta, realizam grandes feitos sociais, em função, exatamente, de terem sido rejeitados, mas trabalharam bem a rejeição.

Folha Dirigida – Muitos educadores identificam a transferência de responsabilidades da família para a escola, bem como conflitos e disputas de poder entre essas partes. Como o senhor vê essa questão? Os professores estão preparados para lidar com esse acréscimo de responsabilidades?
Içami Tiba – É um comodismo, pois os pais estão perdidos e, como não sabem o que fazer, ficam passando a responsabilidade para os outros em vez de buscar o que fazer. Na realidade, é uma espécie de comodismo em buscar respostas. Em vez de eles aprenderem a lidar com essa dificuldade de educar os filhos, eles passam para outras pessoas, no caso os avós. E aí falam que as avós deseducam, que são as más companhias, que as escolas não estão educando. Sempre os bandidos são os outros. E esse sentimento é passado para o filho, que fica achando que ele é bom e os outros são ruins. É preciso que os pais se esforcem para se transformar em educadores. O mundo hoje está para os educadores, porque nuca houve tantos livros sobre educação, principalmente familiar, de crianças e adolescentes, em listas de livros mais vendidos. Muitos pais já estão se mobilizando, mas alguns continuam acomodados. É aquela pessoa que não estudou, mas quer que o filho estude – mas não precisa estudar muito, ou ficará demais para ele. Estão errados em fazer essa transferência, pois a educação que os pais podem dar, a escola não pode. E o que a escola pode dar, os pais podem dar um jeito, pois é uma capacitação. Cada um tem uma parte, mas há uma parte limítrofe entre a escola e a família., já que certas coisas só a família pode fazer, como dar um chacoalhão, dar um castigo. À escola cabe a punição, e não o método de aprendizado sobre o erro cometido.

Folha Dirigida – Como cobrar a plena participação dos pais em uma sociedade onde o tempo é cada vez mais escasso e as mulheres estão cada vez mais envolvidas com o mercado de trabalho?
Içami Tiba – Eles precisam aprender, pois hoje já não é mais como antes. Ou eles fazem essa adaptação, ou terão essa desculpa e, no fundo, são as próprias vítimas dessas desculpas que fazem. As primeiras vítimas da má educação dos filhos são os próprios pais. A participação da mulher no mercado de trabalho dever ser inserida no contexto da educação e, nessa inserção, é importante que a educação se faça sob a forma de rede e não sob a forma de pessoas. Não é só na presença dos pais que ocorre o processo de educação, mas também com a babá, a vovó, e então, os pais devem passar o que querem para o filho e não só deixar a criança exposta à cabeça dessas outras pessoas. A primeira coisa é começar a pensar que a educação se refere em rede. Enquanto estiverem fora, precisam ter alguém que represente sua linha de educação. Não adianta serem exigentes, se as outras pessoas a sua volta são absolutamente tolerantes. O filho vai deixar de atender a sua exigência pela tolerância dos outros. Os pais, quando começam a deixar o filho com outra pessoa, precisam passar para essa pessoa o que é importante para a educação. Precisam formar a babá, cada um com sua linha de educação. A babá não pode fazer o que ela quer, e sim o que a família quer que ela faça. Como têm cada vez menos tempo e estào trabalhando muito, é necessário que os pais comecem delegando as coisas. Caso contrário, depois eles ficam cobrando capítulos da vida dos filhos, pois eles não assistiram, mas o outro pode contar para eles. Essas coisas os pais não fazem, preferem se tornar pais recreativos, por conta de não terem estado junto. Por isso, eles querem fazer essa compensação. Quando passam para essas pessoas o que querem, a linha começa a ficar coerente e não significa que com os pais ausentes os filhos ficarão relaxados, pois eles delegaram poderes, passaram a cobrar essas funções e, a partir daí, a educação passa a ter essa linha de constância e coerência. Eles precisam treinar, as babás precisam ser treinadas, educadas ou farão da maneira que sabem. E sabe-se lá qual é essa maneira como educaram seus filhos.

*Ana Paula Novaes é repórter da Folha Dirigida
Entrevista publicada na Folha Dirigida, Suplemento Educação, edição de 15/10/2003

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