quinta-feira, 28 de julho de 2011

A inteligência sonora ou musical na sala de aula

   Quando se pergunta a um professor de Língua Portuguesa, Matemática, Ciências, Educação Física ou, ainda, de outra disciplina curricular de que maneira explora em sala de aula a inteligência sonora ou musical de seus alunos, quase sempre não se recebe uma resposta, mas, sim, um certo ar de espanto ou perplexidade. Alguns buscam reflexões evasivas, a maior parte desconversa e outros devolvem a pergunta, dizendo que a inteligência musical pode, quando muito, ser estimulada em conservatórios ou, quem sabe, em aulas de Artes, mas, de forma alguma, em outras disciplinas curriculares.
   Ledo engano. Em qualquer disciplina, em todas as aulas, das séries iniciais até o ensino superior, é importante que se explorem sempre todas as inteligências de todos os alunos e, se isso é necessário, percebe-se que a perplexidade que a questão desperta justifica-se bem mais por não se saber o “como” do que por se duvidar do “por quê”. Toda pessoa humana, em escala diferenciada, mostra-se sensível ao som e à melodia, apresenta-se fortemente motivada para se encantar com uma orquestra, demonstra interesse em colecionar referências musicais, e não poucos compreendem a admirável diferença entre “ouvir” e “escutar”, sabendo que ouvir é apenas um detalhe biológico, circunstância anatômica inerente aos animais, mas “escutar” envolve atenção e concentração e, se ouvimos mesmo sem querer, jamais escutaremos se não nos empenharmos em fazê-lo.
  A inteligência sonora ou musical é tão rica quanto a linguagem verbal e, se extremamente expressiva em alguns poucos — como grandes músicos ou compositores —, em um sentido mais amplo, pode ser marcante para qualquer aluno que estude a língua portuguesa, para qualquer estudante que queira aprender com mais facilidade arte, matemática, ciências ou educação física. Um aluno pode não saber dedilhar um violão ou pode acreditar que não conseguirá compor jamais, mas é verdadeiramente impossível que não sinta aflorar suas emoções ou acordar saudades diante do ritmo de uma música, da evocação do canto de um pássaro ou de lembranças dos ruidosos turbilhões de ondas que, em uma manhã de férias, quebram-se nas praias.
  Colocadas essas questões, chega-se à essência do tema: como trabalhar a inteligência sonora ou musical em sala de aula? Esse tema, em uma análise mais ampla, necessitaria que se indagasse, antes da proposta, qual a faixa etária dos alunos que se ensinam, qual conteúdo específico se ministra, que momentos se apresentam disponíveis para essas experiências, mas, mesmo que, em um texto generalista, detalhes cruciais sejam omitidos, ainda assim cabe sugerir alguns procedimentos. Seria o caso de se indagar se a conclusão de uma pesquisa, a análise de um texto ou a concepção de um conteúdo não poderiam ser apresentadas através de um coral, em que vozes diferentes buscariam acentuar as conclusões sobre o que se pesquisou. Não se trata da alternativa do coral apenas como uma novidade, mas da busca de uma contextualização entre momentos do texto e expressão de vozes e uma original forma de aprender um tema, buscando uma linguagem diferente. Mas essa possibilidade não se restringe apenas a um coral. Outra perspectiva sugere, por exemplo, a estratégia da paródia, isto é, apresentação burlesca de um tema escolar em forma de “letra” de uma música conhecida. Não poucos professores criativos foram, muitas vezes, buscar “nesta rua, nesta rua, mora um anjo…” para substituir as palavras por outras, que induziam a uma fixação. A paródia, quando bem utilizada, vai muito além de um exercício mnemônico, pois leva os alunos a ingressarem plenamente na compreensão de ideias textuais para delas fazer letra de uma ou muitas músicas.
  Além dessas ideias, por que não fazer resgate de trechos sonoros de músicas clássicas e usá-los como “fundo musical” de um tema que se trabalha? Pode, por acaso, o cinema sobreviver sem trilha sonora? É claro que, se a novela ou o filme não se carrega de emoção sem música, a apresentação de conteúdos escolares também pode se valer dessa estratégia. Ao lado disso, por que não se atrever criativamente a organizar na sala de aula um “concurso de trovas”, que pode possuir veia literária, mas também se cercar de um tema geográfico, histórico ou matemático. Existe profunda analogia entre a linguagem humana e a linguagem dos instrumentos e, quando o professor ajuda o aluno a construir algumas associações como essas, está ajudando-o a compor a contextualização entre sua memória verbal e sua emoção musical.
   É natural que outras propostas a essas se somam e, sinceramente, acreditamos que um professor criativo não encontrará dificuldade para desenvolvê-las. Reitera-se, porém, que o importante na exploração da inteligência sonora em sala de aula não é apenas buscar novidades, inventar modas. Bem mais que isso é perceber que todo aluno possui uma inesgotável riqueza de linguagens e, quando animado a descobri-las, surpreende-nos com a profundidade e a diversidade dessa conquista.

Autor: Celso Antunes

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