Quem convive com crianças ou adolescentes sabe: mais cedo ou mais tarde eles reclamam - e quase sempre com muita eficiência – por aquilo que chamam de seus direitos. Explicitamente. “Eu tenho o direito de me divertir”, “Eu tenho o direito de escolher meus amigos”, “Eu tenho o direito de decidir minha vida” e tantas outras frases desse tipo logo passam a fazer parte da lista de argumentos que eles usam em casa, quando se confrontam com os pais, ou na escola, quando entram em conflito com os professores.
Por outro lado, pais e professores vivem cobrando dos filhos e alunos o que chamam de obrigações: “Você tem a obrigação de voltar na hora combinada”, “Você tem a obrigação de arrumar a cama quando levanta”, “Você tem a obrigação de entrar na aula no horário”, “Você tem a obrigação de estudar”, por exemplo.
Uma das conclusões que a criança e o adolescente chegam seguindo o caminho citado nos exemplos pode ser: o dever atrapalha o direito. O dever de chegar em casa na hora combinada previamente com os pais, por exemplo, atrapalha o direito de se divertir e decidir a própria vida. O dever de fazer a tarefa de casa limita o direito de escolher o que fazer.
Uma outra conclusão a que eles logo chegam é a de que o direito é interessante buscar e do dever talvez valha mais a pena se esquivar. Nos dois casos, o que está colocado nada mais é do que um puro jogo de interesse individual. E é isso que o processo educativo provoca, ou seja, que os adolescentes e crianças vão construindo uma imagem bastante equivocada tanto da noção de direito e de dever quanto da relação entre elas. Quanto aos pais e professores, que estiveram e/ou estão muitas vezes submetidos a esse modelo, eles estimulam, sem perceber ou querer, a confusão que tanto atrapalha a vida de todo mundo.
Afinal, como entender – e ensinar – que o conceito de dever e de direito são solidamente associados? Ou seja: que um não existe ou não sobrevive sem o outro? Como relacionar direitos e deveres à vida em grupo, ao respeito ao outro e, assim, superar os interesses absolutamente pessoais que norteiam o início da vida? Como evitar a idéia de que deveres e direitos são forças opostas?
Talvez o primeiro passo seja ter clareza de que direitos e deveres são condições essenciais para a vida em grupo, para a convivência, e são constituídos, adquiridos. Direitos e deveres são fruto, portanto, da negociação, da relação com os outros e das regras que dela resultam. Essa pode ser a chave para introduzir a noção de direito e dever na relação educativa: ambos têm relação com a socialização – objetivo da educação - e também com o exercício da cidadania.
Com essa compreensão fica mais fácil ensinar à criança, por exemplo, que o dever de ir à escola restringe a diversão, mas está estreitamente ligado com o direito de uma vida mais digna no futuro. É, ainda tem essa: direito e dever não tem, necessariamente, uma relação garantida de causa e efeito. A relação é muito mais de esperança de promessa.
É preciso reconhecer: não é fácil nem simples para pais e professores sustentar tal relação, que parece pouco objetiva e prática para crianças e adolescentes em seus anseios mais comuns. Por isso, como sempre acontece quando falamos de limites, de regras, de educação, enfim, iremos chegar ao mesmo ponto: o exercício da autoridade. É preciso que pais e professores ocupem seu lugar e pensem no futuro dos filhos e alunos quando educam.
Exercer o papel educativo com autoridade significa introduzir as crianças na vida em sociedade, com todas as contradições e desconfortos que isso supõe. Direitos e deveres impõem, sim, limites à vida de todos, e não só à das crianças e jovens. Mas, em compensação, tornam possível autonomia e permitem que a convivência entre diferentes seja muito mais pacífica e solidária.
ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)
roselysayao@folhasp.com.br
Caderno folhaequilíbrio
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