Cláudia Paes de Carvalho Baena Soares
(coordenadora de Desenvolvimento de Cooperação Técnica da OEI/Brasil)
Apesar do título, a intenção desse pequeno ensaio é apresentar aos professores e diretores de escolas aIglins pensamentos sobre o resgate dos poderes que elas possuem e que são inerentes a todas. Reveste-se de grande importância o tratamento desse tema, uma vez que ele tem exercido forte influência na gestâo e no planejamento das atividades técnico-pedagógicas da maioria das escolas em todo o Brasil.
Para se resgatarem os poderes peculiares que as escolas possuem, é preciso que se faça urna análise sobre os poderes que as escolas não possuem e que atualmente,são atribuídos a elas deforma categórica.
Não se podem aceitar tais atribuições sem una posição critica e determinada frente a esse contexto, sob pena de se incorrer em graves equívocos decisórios ou em indesejável submissão às efêmeras tendências teórico/ideológicas sobre curriculos, organização e funcionartiento escolares Para tanto, é preciso que professores e dirigentes reflitam sobre isso.
As condiçoes socioeconómicas e culturais que predominam nas sociedades modernas têm produzido novas formas de vida, nas quais estão envolvidos os relacionamentos interpessoals, as maneiras de expressar afetos e emoções, as formas do convívio familiar, os padrões de respeitabilidade quanto ás tradições morais e espirituais, os jeitos de se comportar em grupo, as formas de lidar com a própria individualidade, os entendimentos sobre ética e estética.
Todo esse conjunto de mudanças fez com que surgissem duas tendências na vida moderna. Uma delas é a nova conformação psicossocial predominante nas pessoas, nos grupos e nas comunidades, fazendo com que estejam mais abertos às aprendizagens, mais conscientes de suas potencialidades criativas, mais convictos de seus direitos à liberdade e à cidadania, mais aptos a atuar em processos de mudanças, mais dispostos aos trabalhos participativos. A outra, que também se mostra vigorosa e atuante entre nós, tem aspectos bem diferentes da anterior, representa o lado lúgubre das sociedades modernas em todo o mundo. São as demonstrações aterrorizantes e ininterruptas de violência generalizada; desrespeitos às normas e aos princípios da civilidade; desprezo às referências éticas e aos valores relacionados à solidariedade; supervalorização das posses materiais; idealização de valores baseados na ostentação e nas frivolidades. Isso sem contar a corrupção, o peculato, a hipocrisia a impunidade entre autoridades do Estado, funcionários públicos, dirigentes de entidades sindicais e empresários, o que concorre para banalização do que é correto, honesto e sincero,
A bipolaridade das sociedades atuais produz, de um lado, o avanço das ciências, das tecnologias e, como consequência, do conhecimento, a ponto de se chegar à denominação sociedade do conhecimento – expressão usada por muitos intelectuais da atualidade. Mas, do outro lado dessa condição auspiciosa, estão os maus-tratos a crianças, jovens e mulhems, o crime organizado a formação de gangues, o tráfico e consumo di drogas, a prostituição entre crianças e adolescentes, a intolerância e preconceito em relação às etnias e aos grupos sociais chamados minoritários.
Tomamndo-se apenas as condições brasileiras, deparamos comassustadores aumentos dos níveis de ciminalidade e violência em todos os estratos da população e com um agravante aterrorizador: as formas cada mais cruéis e desumanas usadas pelos criminosos.São estupros e assassinatos de crianças, toturas contra mulheres, sequestros, seguidos de morte, maus-tratos a recém-nascidos e idosos, espancamentos dentro lares, atrocidades entre membros de gangues.
A cada barbaridade ocorrida e divulgada, a popula brasileira reage e passa a exigir maior atuaçao das instituições estatais para reduzir acontecimentos tão perversos e chocantes. Seguem-se as discussões e as proposições nesse sentido . Quase sempre tais discussões sustentam-se na valorização da educação e, sobretudo, na ampliação dos cuidados às crianças e jovens, em especial àqueles que vivem em regiões vulneráveis à influência de criminosos. Mas como acionar os lares quando pais e mães estão fora de casa, no trabalho e nos demorados deslocamentos nas grandes cidades? Corno cuidar adequadamente das crianças entre zero e cinco anos quando não se dispõe de creches suficientes para atendê-las? Como impedir que adolescentes frequentem as ruas quando, em suas comunidades, não existem áreas de lazer ou atividades planejadas para ocupá-los de forma przerosa e educativa?
Sem respostas para tais questioriamrantos, a escola surge como instituição capaz de abranger toda; essas áreas. Por isso, são conferidos ela poderes como: conscientização contra diversos tipos de violencia; formação de valores e sentimentos reativos às discriminações raciais; conhecimento das formas para evitar gravidet na adolescência; entendimento sobre prevenção de doenças sexualmente transmissíveis; aquisição de comportamentos contrários ao consumo drogas; apreensao de habilidades adequadas ao pedestre para movimentação segura no trânsito.
As escolas têm participação na concretização e consolidação de todos esses temas porque eles fazem parte da vida das crianças e dos jovens que as freqüentam. Porém, não pode responsabilizar-se pelas ações peculiares e essencialmente especializadas que levam à concretizaçào e consolidação esses temas na vida mental e afetiva dos alunos. Essa tarefa nâo pode ser assumida por elas. Infelizmente isso está ocorrendo e de forma duplamente negativa: além de não conseguir a contento concretizar as ações que levam à formaçáo mental e afetiva para esses temas, têm, simultaneamente, encontrado difculdade para cumprir suas verdadeiras rtsponsabiliclades educacionais.
A responsabilidade precípua das escolas de Ensino Fundamental é criar as condições humanas, pedagógicas, metodológicas e infra-estruturais para que as crianças e os jovens aprendam a ler e a escrever, analisar o interpretar o que lêem, redigir com clareza e correção. E mais, L mais, dominar regras básicas da gramática, da sintaxe e da fonética relacionadas ao domínio da língua pátria. Concomitantemente, a escola tem como responsabilidade proporcionar aos educandos as práticas para o pensarnento abstrato dos números, dos cálculos e das operações aritméticas, por intermédio das quais aprende valores numéricos e propriedades matemáticas. Além da língua e dos números, os alunos vão conhecer a história do Brasil, os fatos e personagens que determinaram sua trajetória política, social e econômica; entender os fenômenos físicos, biológicos e humanos de nosso território, como também conhecer sobre os seres vivos, sua evolução e suas reslações como o meio ambiente.
Será por meio desses estudos, e somente através deles, que a escola irá formar crianças e jovens críticos e criativos, com condições intelectuais e emoconais para se posicionar frente àquelas situações que mostram a degenerescência de valores e princípios próprios do autêntico humanismo. O que tem ocorrido, entretanto não é isso. A visão de muitos dirigentes e profissionais da educação – considerada atual e coerente – é a de introduzir, nos currículos escolares, novas áreas de estudo relacionada ao sexo, ao trânsito, à prevensão de doenças transmissíveis , às drogas, às populações afrodescendentes.Enquanto isso, as áreas que estão diretamente sob a responsabilidade institucional da escola vão cedendo espaço para as novas temáticas e, com isso, reduzindo as oportunidades para que a Língua Portuguesa, a Matemática, a História, a Geografia, a Biologia sejam plena e adequadamente ensinadas e aprendidas pelos alunos.
A propalada atualização curricular, com as inclusões de novas áreas ou disciplinas,representa, na realidade, um falso processo de modernização. Isso porque todas essas áreas — sexo, violência, etnia, drogas, trânsito, preconceitos - são conteúdos temáticos de extrema relevância paraa formação dos educandos, mas nem por isso possuem dimensão para se transformar em áreas programáticas específicas.. São temas tratados de forma transversal nos conteúdo, curriculares da escola e que passam a compor as lições de Português, Matemática, História Geografia, Biologia, Os temas transversais são complementares e relacionais, o que dá a eles maior significação conceitual e vivencial como elementos componentes da vida cotidiana.
Não se pode atribuir poderes que a escola não tem. Não se pode permitir que a sua verdadeira responsabidade educacional seja dificultada por intromissões aparentemente congruentes e legítimas. Para tanto, nós, professores, em conjunto tom os diretores, devemos estar atentos para a análise permanente sobre os poderes que a escola não tem, e que não devera ter, como instituição educacional. Ao mesmo tempo, nossa atençãodeverá estar sintonizada para incluir, nos planos político-pedagógicos de nossas escolas, as áreas transversais de estudo. Além da importância como conteúdos especiaIs, os temas transversais são elementos complementares e aglutinadores do currículo escolar. Não há dúvida de que os professores, no seu contato direto e diário com os alunos, saberão definir as formas concatenadas de inserir, em seus programas de aula quaisquer áreas de estudo que sejam importantes para a formação plena de nossas crianças e jovens.
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