quarta-feira, 27 de julho de 2011

Os poderes que as escolas não possuem

Cláudia Paes de Carvalho Baena Soares
(coordenadora de Desenvolvimento de Cooperação Técnica da OEI/Brasil)

            Apesar do título, a intenção desse pequeno ensaio é apresentar aos professores e diretores de escolas aI­glins pensamentos sobre o resgate dos poderes que elas possuem e que são inerentes a todas. Reveste-se de grande importância o tratamento desse tema, uma vez que ele tem exercido forte influência na gestâo e no planejamento das atividades técnico-pedagógicas da maioria das escolas em todo o Brasil.
Para se resgatarem os poderes peculiares que as escolas possuem, é preciso que se faça urna análise sobre os poderes que as escolas não possuem e que atualmente,são atribuídos a elas deforma categórica.
Não se podem aceitar tais atribuições sem una posi­ção critica e determinada frente a esse contexto, sob pena de se incorrer em graves equívocos decisórios ou em indesejável submissão às efêmeras tendências teórico/ideológicas sobre curriculos, organização e funcionartiento escolares Para tanto, é preciso que professores e dirigentes reflitam sobre isso.
As condiçoes socioeconómicas e culturais que predo­minam nas sociedades modernas têm produzido no­vas formas de vida, nas quais estão envolvidos os relacionamentos interpessoals, as maneiras de expressar afetos e emoções, as formas do convívio familiar, os padrões de respeitabilidade quanto ás tradições morais e espirituais, os jeitos de se comportar em grupo, as formas de lidar com a própria individualidade, os entendimentos sobre ética e estética.
Todo esse conjunto de mudanças fez com que surgis­sem duas tendências na vida moderna. Uma delas é  a nova conformação psicossocial predominante nas pessoas, nos grupos e nas comunidades, fazendo com que estejam mais abertos às aprendizagens, mais conscientes de suas potencialidades criativas, mais convictos de seus direitos à liberdade  e à cidadania, mais aptos a atuar em processos de mudanças, mais dispostos aos trabalhos participativos. A outra, que também se mostra vigorosa e atuante entre nós, tem aspectos bem diferentes da anterior, representa o lado lúgubre das sociedades modernas em todo o mundo. São as demonstrações aterrorizantes e ininterruptas de violência generalizada; desrespeitos às normas e aos princípios da civilidade; desprezo às referências éticas e aos valores relacionados à solidariedade; supervalorização das posses materiais; idealização de valores baseados na ostentação e nas frivolidades. Isso sem contar a corrupção, o peculato, a hipocrisia a impunidade entre autoridades do Estado, funcionários públicos, dirigentes de entidades sindicais e empresários, o que concorre para banalização do que é correto, honesto e sincero,
A bipolaridade das sociedades atuais produz, de um lado, o avanço das ciências, das tecnologias e, como consequência, do conhecimento, a ponto de se chegar à denominação sociedade do conhecimento – expressão usada por muitos intelectuais da atualidade. Mas, do outro lado dessa condição auspiciosa, estão os maus-tratos a crianças, jovens e mulhems, o crime organizado a formação de gangues, o tráfico e consumo di drogas, a prostituição entre crianças e adolescentes, a intolerância e preconceito  em relação às etnias e aos grupos sociais chamados minoritários.
Tomamndo-se apenas as condições brasileiras, deparamos comassustadores aumentos dos níveis de ciminalidade e violência em todos os estratos da população e com um agravante aterrorizador: as formas  cada mais cruéis e desumanas usadas pelos criminosos.São estupros e assassinatos de crianças, toturas contra mulheres, sequestros, seguidos de morte, maus-tratos a recém-nascidos e idosos, espancamentos dentro lares, atrocidades entre membros de gangues.
A cada barbaridade ocorrida e divulgada, a popula brasileira reage e passa a exigir maior atuaçao das instituições estatais para reduzir acontecimentos tão perversos e chocantes. Seguem-se as discussões e as proposições nesse sentido . Quase sempre tais discussões sustentam-se na valorização da educação e, sobretudo, na ampliação dos cuidados às crianças e jovens, em especial àqueles que vivem em regiões vulneráveis à influência de criminosos. Mas como acionar os lares quando pais e mães estão fora de casa, no trabalho e  nos demorados deslocamentos nas grandes cidades? Corno cuidar adequadamente das crianças entre zero e cinco anos quando não se dispõe de creches suficientes para atendê-las? Como impedir que adolescentes frequentem as ruas quando, em suas comunidades, não existem áreas de lazer ou atividades planejadas para ocupá-los de forma przerosa e educativa?
Sem respostas para tais questioriamrantos, a escola surge como instituição capaz de abranger toda; es­sas áreas. Por isso, são conferidos ela poderes como: conscientização contra diversos tipos de violencia; formação de valores e sentimentos reativos às discriminações raciais; conhecimento das formas para evitar gravidet na adolescência; entendimento sobre prevenção de doenças sexualmente transmissíveis; aquisição de comportamentos contrários ao consumo drogas; apreensao de habilidades adequadas ao pedestre para movimentação segura no trânsito.
As escolas têm participação na concretização e consolidação de todos esses temas porque eles fazem parte da vida das crianças e dos jovens que as freqüentam. Porém, não pode responsabilizar-se pelas ações pe­culiares e essencialmente especializadas que levam à concretizaçào e consolidação esses temas na vida mental e afetiva dos alunos. Essa tarefa nâo pode ser assumida por elas. Infelizmente isso está ocorrendo e de forma duplamente negativa: além de não con­seguir a contento concretizar as ações que levam à formaçáo mental e afetiva para esses temas, têm, si­multaneamente, encontrado difculdade para cumprir suas verdadeiras rtsponsabiliclades educacionais.
A responsabilidade precípua das escolas de Ensino Fundamental é criar as condições humanas, pedagógicas, metodológicas e infra-estruturais para que as crianças e os jovens aprendam a ler e a escrever, analisar o interpretar o que lêem, redigir com clareza e correção. E mais, L mais, dominar regras básicas da gramática, da sintaxe e da fonética relacionadas ao domínio da língua pátria. Concomitantemente, a escola tem como responsabilidade proporcionar aos educandos as práticas para o pensa­rnento abstrato dos números, dos cálculos e das opera­ções aritméticas, por intermédio das quais aprende va­lores numéricos e propriedades matemáticas. Além da língua e dos números, os alunos vão conhecer a história do Brasil, os fatos e personagens que determinaram sua trajetória política, social e econômica; entender os fenômenos físicos, biológicos e humanos de nosso território, como também conhecer sobre os seres vivos, sua evolução e suas reslações como o meio ambiente.
Será por meio desses estudos, e somente através deles, que a escola irá formar crianças e jovens críticos e criativos, com condições intelectuais e emoconais para se posicionar frente àquelas situações que mostram a degenerescência de valores e princípios próprios do autêntico humanismo. O que tem ocorrido, entretanto não é isso. A visão de muitos dirigentes e profissionais da educação – considerada atual e coerente – é a de introduzir, nos currículos escolares, novas áreas de estudo relacionada ao sexo, ao trânsito, à prevensão de doenças transmissíveis , às drogas, às populações afrodescendentes.Enquanto isso, as áreas que estão diretamente sob a responsabilidade institucional da escola vão cedendo espaço para as novas temáticas e, com isso, reduzindo as oportunidades para que a Língua Portuguesa, a Ma­temática, a História, a Geografia, a Biologia sejam plena e adequadamente ensinadas e aprendidas pelos alunos.
A propalada atualização curricular, com as inclusões de novas áreas ou disciplinas,representa, na realida­de, um falso processo de modernização. Isso porque todas essas áreas — sexo, violência, etnia, drogas, trânsito, preconceitos - são conteúdos temáticos de ex­trema relevância paraa formação dos educandos, mas nem por isso possuem dimensão para se transformar em áreas programáticas específicas.. São temas trata­dos de forma transversal nos conteúdo, curriculares da escola e que passam a compor as lições de Português, Matemática, História Geografia, Biologia, Os te­mas transversais são complementares e relacionais, o que dá a eles maior significação conceitual e vivencial como elementos componentes da vida cotidiana.
Não se pode atribuir poderes que a escola não tem. Não se pode permitir que a sua verdadeira responsa­bidade educacional seja dificultada por intromissões aparentemente congruentes e legítimas. Para tanto, nós, professores, em conjunto tom os diretores, deve­mos estar atentos para a análise permanente sobre os poderes que a escola não tem, e que não devera ter, como instituição educacional. Ao mesmo tempo, nossa atençãodeverá estar sintonizada para incluir, nos pla­nos político-pedagógicos de nossas escolas, as áreas transversais de estudo. Além da importância como conteúdos especiaIs, os temas transversais são elementos complementares e aglutinadores do currículo escolar. Não há dúvida de que os professores, no seu contato direto e diário com os alunos, saberão definir as formas concatenadas de inserir, em seus programas de aula quaisquer áreas de estudo que sejam importantes para a formação plena de nossas crianças e jovens.

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