O físico Marcelo Gleiser ensina como transformar as aulas de Ciências nas preferidas dos alunos
Desde pequeno, o físico brasileiro Marcelo Gleiser era fascinado pelos mistérios do mundo. Professor de física e astronomia do Dartmouth College, em Hanover (EUA), Marcelo tenta mostrar com essa frase, aos leitores do Livro do Cientista, que a ciência pode ser emocionante se enxergarmos a beleza das descobertas.
Para despertar em crianças e adolescentes o encanto pelo funcionamento das coisas, ele relata o que sentiu quando, com 7 anos, começou a entender o mundo. Ao ler um livro sobre mamíferos, se perguntava como era possível haver tantos bichos. "A coisa ficou mais interessante quando descobri que nem sempre existiram os animais ou mesmo a Terra. Ou seja, tudo tem uma história com começo, meio e fim", explica o físico.
Percebendo que poderia descobrir cada uma dessas histórias, Gleiser viu se abrirem novas possibilidades. Para ele, nada era mais atraente do que passar a vida tentando decifrar mistérios. Acabou se tornando cientista. Assim ele defende que seja também o ensino da disciplina: apaixonado, instigante, relacionado com o dia-a-dia das pessoas e, acima de tudo, aberto à curiosidade natural dos pequenos. Nesta entrevista à Revista Nova Escola, ele conta como derrubar o velho tabu de que ciência é um assunto chato.
Aprender ciência é tão importante quanto aprender a ler, escrever e fazer contas?
Sem dúvida. Todo cidadão tem o direito de saber como o mundo em torno dele funciona. Há 400 anos tudo se explicava pela religião. Hoje temos a opção de pensar sobre o que está a nossa volta usando a razão. Nesse sentido, uma das funções do ensino da ciência é combater o obscurantismo.
O avanço científico é um motivo para a escola valorizar o ensino da ciência?
Querendo ou não, vivemos numa sociedade completamente dominada pela ciência. Ela está em tudo: nos remédios, nos alimentos transgênicos, no ambiente poluído, nos computadores, na clonagem, nas células-tronco. Sem um conhecimento básico de ciência, a pessoa não pertence ao mundo moderno. Só as pessoas bem-informadas podem participar do processo democrático.
O que o professor pode fazer para manter o interesse natural das crianças em saber o porquê de tudo?
Incentivar os alunos a pôr a mão na massa, transformando a curiosidade em algo produtivo. É por meio das experiências que eles se tornam agentes da descoberta e viram cientistas. Na adolescência, contudo, ocorrem mudanças metabólicas que desviam o olhar da garotada para o outro sexo, fazendo com eu o interesse pela ciência caia. A escola só consegue manter o desejo de aprender se fizer com que a ciência continue relacionada à vida deles.
Quais são os principais problemas do ensino de Ciências hoje no Brasil?
O pouco preparo dos professores e a falta de recursos. De modo geral, infelizmente, a ciência é ensinada no quadro-negro. O professor fala de Biologia e dos princípios da Física e da Química fazendo desenhos no quadro. Raramente são realizadas experiências simples em sala de aula para ilustrar os conceitos. Se o professor for bem preparado e souber fazer demonstrações em classe, o ensino de Ciências vai dar um pulo gigantesco.
A eficiência no ensino de Ciências depende da formação dos professores?
Sim. A mudança no ensino só vai ocorrer se a formação melhorar. Muitos professores não têm paixão pelo assunto e só lecionam a disciplina porque precisam. Para que essa situação se resolva, é necessário mexer nos cursos de licenciatura. Eles devem mostrar, primeiramente, que, quando a ciência é explicada por meio de demonstrações e experiências, ela vai além de uma fórmula e se torna verdadeira. Em segundo lugar, é imprescindível ligar a ciência à vida. Um ônibus é um excelente laboratório de física do movimento, por exemplo.
Qual a melhor estratégia para o professor despertar nos alunos o interesse pelos mistérios da natureza?
Mostrar que a ciência é uma das atividades mais humanas e lúdicas que existem. Pode-se brincar com ciência o tempo todo. É fantástico revelar como uma lagarta se transforma em borboleta. O aluno fica encantado ao descobrir como as coisas acontecem. O mesmo ocorre quando explicamos que o Sol é apenas uma estrela entre centenas de bilhões de outras estrelas rodeadas por planetas. A criança olha para o céu e pensa se existem outros "eus" em outros lugares. Ainda falta esse mistério no ensino da disciplina.
Como deixar claro para os estudantes que a ciência não é uma verdade absoluta?
É preciso apontar que a ciência está sempre em renovação e evolução. Ainda há muitas questões sem resposta. É verdade também que existem buracos nos registros dos fósseis, os elos perdidos. Mas isso não significa que a teoria da evolução por seleção natural esteja errada. Ao contrário, ela oferece um meio fantástico de pensar sobre como as espécies animais surgiram e evoluíram. Quando foram encontrados os primeiros fósseis de dinossauro e se perguntava por que eles tinham desaparecido da Terra, a resposta era: porque não couberam na Arca de Noé. Esse tipo de dogmatismo religioso é perigoso. Se a escola questiona a ciência e o seu valor, mina a possibilidade das crianças crescerem como cidadãos livres. Elas vão ficar escravizadas ao obscurantismo.
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