quarta-feira, 6 de julho de 2011

Botucatu declarou Guerra à Inglaterra?

Publicado Originalmente na Revista Boca de Cena



     Virou  folclore! A provinciana Botucatu teria declarado guerra ao império Britânico. Essa versão  tem-se tornado tão disseminada que vale a pena retornar ao ocorrido.  As razões para isso talvez estejam no desconhecimento dos antecedentes históricos.
   Foi em 1863, século XIX: a Câmara de Botucatu  reune-se extraordinariamente e aprova, numa tumultuada sessão, um documento, dirigindo-o ao Imperador Pedro II.  Para entender tanta indignação mostrada no documento n. 53 dos arquivos locais, será preciso revisitar os acontecimentos dos meses anteriores,  verificados na Corte imperial brasileira, instalada no Rio de Janeiro. Vivia alí um embaixador britânico,  William Dougal Christie, com larga autonomia para cuidar dos negócios e interêsses ingleses, junto à corte de D. Pedro II.  Chamado na ocasião de ministro plenipotenciário,  tinha autonomia grande e podia tomar decisões sem consultas prévias, como hoje é recomendado aos embaixadores. Podia ser considerado mais que um embaixador. Ocorre que era o que se chama hoje de “estopim curto” e suas relações com o império brasileiro começaram a  azedar quando os navios ingleses começaram a patrulhar as águas do Atlântico na repressão ao comércio de escravos da África para o Brasil.  Questões aquí, divergências alí, uma série de fatos culminaram com  a prisão de oficiais ingleses embriagados, em 17 de junho de 1862, pela polícia encarregada de manter a ordem na cidade do Rio. Christie protestou energicamente junto ao Imperador exigindo uma retratação das autoridades brasileiras. Instruído por seu governo a ser enérgico, a 5 de dezembro daquele ano deu um ultimato ao governo brasileiro, terminando por ameaçar com retaliações concretas, caso não fossem atendidas suas exigências: indenização, punição dos policiais e censura ao chefe da polícia. Irritado o imperador disse que “ perderia a coroa mas não se humilharia ao estrangeiro”, e autorizou seu ministro, Marquês de Abranches a tratar diretamente com o governo inglês, deixando de lado Christie. Furioso o ministro ingles no Brasil ameaçou com a esquadra naval britânica    e como não fosse atendido, no dia 31 de dezembro a flotilha inglesa zarpou para o alto mar e apreendeu os primeiros 5 vapores de navegação costeira que encontrou.
     Imaginando dobrar o imperador, Christie enganou-se. A população do Rio foi para as ruas em maciças e violentas manifestações de indignação com o governo inglês.
   Perdida no sertão de S. Paulo, Botucatu seguia sua calma vida de província...até que os primeiros jornais chegassem do Rio. Ou antes, que os mascates e viajantes ou então os carteiros viessem com notícias. Até que não chegaram atrasados, mas essas notícias alvoroçaram o cotidiano da pequena cidade. Seus moradores correram para as ruas e exigiram uma posição da Câmara, mas os vereadores eram todos agricultores e não podiam vir logo para a sede do município. Foi só mesmo em 9 de fevereiro, com a Câmara lotada é que os camaristas deram vaza à indignação dos nossos conterrâneos e fizeram redigir uma felicitação ao imperador...nada mais que isso, pela atitude de altivez diante do Império Britânico e seu ministro atrabiliário.
      Confira você mesmo:
                        “ Senhor – A Camara Municipal da Villa de Botucatu, fiel interprete dos sentimentos de seo Município, soube neste certão da Província de São Paulo, com a mais profunda magoa e indignação a cruel e injusta agressão, que os nosso fóros de Nação livre e independente dirigio o governo Inglez, já aprisionando em plena paz os nossos Navios Mercante, e já por meio das Notas do seo Ministro Plenipotenciário na Capital do Império. Porém Senhor, á tão duro e justo sentimento succedeo a de gratidão para com A Sagrada Pessoa D’Vossa Magestade Imperial, Nosso Deffensor Perpetuo, por ver esta Camara a Dellicadeza e Firmesa de Vossa Magestade em sustentar os nosso fóros, como fez no Conselho Déstado. E foi no meio da ansiedade geral que desprehendendo-se do coração Magnanimo e Brasileiro de Vossa Magestade húa corrente elletrica inflamou o Conselho D’Éstado passou ao Governo do Paiz, e delle ao bom povo fluminense e a todos os povos do Brasil. Sim, Senhor, Vossa Magestade Forte com o appoio da Nação, e a Nação tão bem forte, em quanto tiver a dita que lhe obtorgou a Divina Providência de possuir á Vossa Magestade como seo Deffensor Perpetuo, há de repellir toda a injusta agressão do extrangeiro audaz e ambicioso, e o seo Imperio Será sempre um soberano e independente. Ah Senhor, sob o Governo Auspicioso de Vossa Magestade Imperial dos Brasileiros se mostrarão sempre os descendentes e successores dos Vieiras, Camarões, e dos Henriques Dias, e mal dicto seja o Brasileiro que não ouvir a vós da Patria, que he a voz de Vossa Magestade Imperial. Taes Senhor, são os sentimentos desta Camara, e tambem os do Povo de Botucatu, que ella se ufana representar e depor aos pés do Trono Augusto de Vossa Magestade Deos fellicita e prospere os dias de Vossa Magestade Imperial, como havemos de mister. Paço da Camara Municipal da Villa de Botucatu, em sessão extraordinaria de 9 de fevereiro de 1863. A) Antonio Galvão Severino – p;residente, e vereadores Salvador Bueno dos Santos Mello, Bernardino Dutra Pereira, José Francisco Corrêa da Silva, Brás Bernardo da Cunha, Caitano Ferreira Godinho, Antonio Pedro Ribeiro e Manoel Joaquim Bueno-secretário.”.
   Depois de ter chegado até aqui, você ainda acha que Botucatu declarou guerra à Inglaterra?

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