Bill Gates investe parte de sua fortuna para aprimorar a análise do desempenho em sala de aula. Sistema inclui filmagens e acompanhamento pela internet.
The New York Times - Nova York
Em grande parte das escolas norte-americanas os educadores são observados por diretores e administradores, que aparecem ocasionalmente na salas de aula para fazer uma visita e preencher formulários de avaliação de desempenho. O resultado? Noventa e oito porcento dos professores obtêm nota máxima. É o que mostra um importante estudo feito no ano passado pelo New Teacher Project, organização sem fins lucrativos, com foco na melhoria da qualidade dos professores.
Agora, Bill Gates, que nos últimos anos tem voltado sua atenção e fortuna considerável para o aprimoramento da educação nos Estados Unidos, está investindo US$ 335 milhões, através de sua fundação, na renovação dos departamentos de pessoal de vários sistemas escolares. Uma boa parte desse dinheiro vai para as pesquisas realizadas por dezenas de cientistas sociais e milhares de educadores, com o objetivo de desenvolver um sistema mais eficiente de avaliação dos professores em sala de aula.
A iniciativa trará enormes consequências para o movimento que busca responsabilizar as escolas e os educadores pelo desempenho dos alunos.Vinte estados estão revendo seus sistemas de avaliação de professores, em parte para alcançar as metas impostas pelo prêmio de US$ 4 bilhões oferecido pelo governo americano, que será obtido mediante merecimento. Por essa razão, as escolas aguardam ansiosamente os resultados da pesquisa.
Controle
Para os educadores, os resultados podem significar um maior controle. Por outro lado, eles também podem fornecer orientações mais específicas sobre o que se espera dos professores em sala de aula, caso novas experiências e critérios sejam adotados – inclusive testes que medem o domínio dos professores sobre suas matérias, pesquisas com os alunos sobre o ambiente de aprendizagem e vídeos digitais das aulas, avaliados por especialistas. “É algo enorme”, diz Deborah Loewenberg Ball, reitora da Faculdade de Educação da Universidade de Michigan. “Eles estão tentando fazer com muita rapidez algo que ninguém fez antes.”
A pesquisa de Bill Gates não é o primeiro esforço desse tipo. Já existe um método estatístico desenvolvido por economistas chamado de modelo de valor agregado, que calcula o quanto os professores ajudam os alunos a aprenderem, com base em mudanças nos resultados dos testes de um ano para o outro. O método permite que os distritos classifiquem os professores pelo critério de qualidade. O modelo de valor agregado é utilizado em centenas de distritos escolares. Para os professores, no entanto, resumir tudo que é feito em uma única estatística oferece um retrato incompleto de seus trabalhos. Eles reivindicam que outras medidas de desempenho sejam consideradas.
Vídeo
A pesquisa de Gates usa o valor agregado como ponto de partida, mas visa o desenvolvimento de outras medidas que não apenas avaliem os professores, mas também ajudem os educadores a compreender porque um é mais bem-sucedido do que o outro.
Os pesquisadores e educadores envolvidos no projeto descreveram como absurdamente complexo seu esforço em separar os atributos de um bom ensino das idiossincrasias de cada professor. Bill Gates está monitorando de perto a pesquisa. O uso de vídeo digital chamou sua atenção em especial. Durante uma entrevista, ele citou o potencial do uso de vídeo para avaliar os professores e ajudá-los a aprender com colegas talentosos.
“Alguns professores são extremamente bons”, disse Gates. “E um dos objetivos é dizer: ‘Vamos olhar para esses professores’. O inacreditável é como os exemplos foram pouco estudados. Temos que dizer: ‘Ok, como se faz para que um professor de matemática desperte o interesse dos alunos – faça com que a criança inteligente preste atenção, que o aluno com dificuldade preste atenção?’ Precisamos ensinar os professores a seguir os exemplos”.
“A classificação detalhada das aulas filmadas para este projeto está se desdobrando em uma escala nunca vista nas pesquisas sobre educação”, afirma Catherine A. McClellan, diretora do Serviço de Testes Educacionais, que supervisiona o processo.
Até junho de 2011, os pesquisadores terão cerca de 24 mil aulas filmadas. Como algumas devem ser classificadas com base em mais de um protocolo, a pesquisa poderá envolver a análise de cerca de 64 mil horas de vídeo. No início do próximo ano, McClellan espera recrutar centenas de educadores e treiná-los para participar das avaliações. O objetivo é encontrar possíveis correlações entre determinadas práticas de ensino e o bom desempenho dos alunos, com base em notas de valor agregado. Thomas J. Kane, um economista de Harvard que chefia a pesquisa, pretende anunciar em breve alguns resultados preliminares em Washington, mas conclusões mais definitivas devem ser apresentadas somente no final do próximo ano.
A iniciativa tornou-se também um teste de campo em grande escala da utilização do vídeo em sala de aula, com a intenção de ajudar no aprimoramento e na avaliação remota dos professores. “O vídeo cria possibilidades de diálogo entre os professores sobre o aperfeiçoamento das técnicas em sala de aula”, diz McClellan. “Os colegas podem assistir seu vídeo e dizer: ‘Neste ponto você fez isso – tente assim na próxima vez’. Desta forma se aprende novas habilidades.”
De acordo com Kane, também há vantagens nas avaliações dos professores. Por exemplo: através dos vídeos, além do diretor da escola, muitos profissionais podem analisar o desempenho dos professores, tornando as avaliações menos subjetivas. “Isso pode gerar empregos para diretores aposentados, ou mesmo professores especializados, que passarão o fim de semana analisando outros professores em sala de aula”, diz ele.
Pela internet
Uma abordagem de avaliação de professores baseada na internet também pode aliviar a pressão sobre as escolas. Em muitos estados americanos, novas leis estão exigindo observações mais frequentes das aulas. Um novo sistema de avaliação em Washington D.C., por exemplo, exige cinco observações por ano, sendo que os sistemas anteriores exigiam no máximo uma ou duas e, em muitos casos, nenhuma. A partir do próximo outono, uma lei do estado doTennessee determinará pelo menos quatro observações por ano, ao invés de uma a cada cinco anos.
Em alguns distritos, o ritmo mais acelerado tem aumentado a carga de trabalho dos administradores. As autoridades de Memphis perceberam que, sob as novas regras, suas escolas precisam efetuar mais de 28 mil observações em sala de aula por ano, uma tarefa que pode sobrecarregar os diretores de ensino da cidade.
“Essa tecnologia pode nos ajudar a enfrentar o desafio logístico de estar em tantos lugares ao mesmo tempo”, afirma John Barker, diretor do escritório de pesquisa e avaliação. O distrito ainda quer que os diretores visitem as salas de aula, mas em janeiro será iniciado um programa piloto para usar observações filmadas. Kane diz que a fundação esperava que mais distritos escolares começassem a usar vídeos em sala de aula para treinamento e avaliação.Ele tem trabalhado para tentar manter os custos baixos.
Gasto
A Teachscape, empresa que fornece câmeras, software e outros serviços para a pesquisa, estimou um gasto de cerca de US$ 1,5 milhão no primeiro ano para um distrito com 140 escolas e 7 mil professores. O orçamento prevê uma câmera por escola e a locação do software que fará as observações em sala de aula com vídeo digital. Depois disso, os custos anuais deverão ser reduzidos para cerca de US$ 800 mil, afirma Mark Atkinson, presidente executivo da Teachscape, que tem sede em São Francisco.
Além do custo – considerado muito alto por vários distritos – outra barreira pode ser a oposição dos educadores. O sindicato dos professores de Memphis, filiado à Associação Nacional de Educação, firmou parceria com a fundação para o projeto.
Contudo, Keith Harris, presidente do sindicato, disse que o uso de observações filmadas em avaliações levanta questões preocupantes. “Os vídeos serão vistos pelos olhos de quem?”, pergunta Harris. “Quem ficará responsável por eles? Isto parece ser um tipo de pegadinha. Nós achamos que estas observações devem ser feitas por um ser humano.’’ Randi Weingarten, presidente da Federação Americana de Professores, que tem vários afiliados participando da pesquisa, também expressa algumas reservas. “As observações filmadas têm o seu papel, mas não devem substituir as observações presenciais na avaliação dos professores. Seria difícil justificar avaliações feitas por pessoas de fora assistindo fitas de vídeo em locais remotos, que nunca visitaram a sala de aula e não presenciaram a interação dos professores com seus alunos”, explica Randi.
Kane acredita que as dúvidas devem desaparecer com o tempo. “Não somos ingênuos”, diz ele. “Percebemos que a maioria dos diretores e professores imaginam a visita pessoal quando pensam em observações em sala de aula. Mas isso pode mudar rapidamente. Não está fora de cogitação que milhões de escolas possam estar empregando esta tecnologia dentro de quatro ou cinco anos.’’
Fonte - Gazeta do Povo
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