É lamentável, mas não é difícil compreender as razões que amplificam o estresse infantil.
Para os pais, a competência dos filhos expressa a redução da culpa e da ansiedade. Se as coisas não vão bem nos negócios e no emprego, não se tem domínio sobre os mecanismos dessa situação e as relações pessoais se desgastaram pela monotonia da rotina, nada melhor que forçar a competência das crianças para a expiação da culpa e da ansiedade. Para o marketing e o mundo dos negócios, a ansiedade pela competência infantil significa dinheiro, e muito dinheiro. São brinquedos novos que se criam, softwares que se inventam, livros de auto-ajuda que se vendem. Para o sistema educacional, por sua vez, a competência infantil representa mais alunos, mais e diferentes profissionais empregados e novas oportunidades em um filão jamais sonhado. A suntuosidade de certas escolas de Educação Infantil, com berçários que apresentam o último capítulo da evolução da engenharia e arquitetura, rivaliza com shoppings modernos ou com novos templos que inventam novas seitas.
E, isolada e perdida no centro de todas essas mudanças, encontra-se a criança, que, se pudesse, por certo faria a pergunta crucial: “Tudo isso é necessário?”.
A criança moderna que pertence à classe média ou alta sofre pressão por uma precoce aquisição intelectual, e os pais são diariamente bombardeados por máximas que defendem a alfabetização o quanto antes, o aprendizado o mais cedo possível de uma língua estrangeira, o valor do envolvimento infantil em atividades esportivas diversificadas, o risco em não treinar os filhos no domínio antecipado da matemática, na manipulação ansiosa do computador e tudo mais quanto se possa imaginar. Como se essas ações por si só não se mostrassem extremamente perversas para o desenvolvimento de uma verdadeira infância saudável, a pressão invade ainda o campo do vestuário, sugerindo que, mesmo antes da escola, a criança se vista com blusas de marca, tênis de grife, padrões estéticos fashion… Já não são mais novidade as linhas de equipamentos eletrônicos sofisticados para crianças, salões de beleza com seções infantis, butiques finas especializadas na última moda, linhas de cosméticos e perfumes que possam permitir diferenciar a criança que anda segundo a mídia da criança que quer ser criança.
Seria uma imperdoável ingenuidade acreditar que essa tendência atual nos centros urbanos é um modismo inconseqüente ou apenas uma forma astuta de capitalismo. Constitui crime imperdoável o desrespeito ao ciclo da vida, e uma criança que é tratada como adulto não conquista somente por causa da embalagem que adorna seu corpo o pensamento do adulto. O crescer pressupõe etapas lentas e lindas, e a ansiedade em antecipá-lo resulta em fator de deformação que dificilmente se corrige. Quando uma criança se veste como adulto, busca inconscientemente imitar comportamentos, ações e linguagens e, quando essa imitação desperta aplausos, ocorre uma quebra no ciclo biológico, que começa pelo estresse, o qual, se não for contido, só Deus sabe onde pode terminar.
O dente de leite não cai porque a mãe quer que caia e nem no tempo em que a mídia julga oportuno cair; cai quando o ciclo biológico determina a queda, mas, diferentemente de dentes de leite, os problemas emocionais não aparecem como produto de um ciclo, mas como conseqüência da ação consciente ou inconsciente de pais que aplaudem e anseiam pela precocidade dos filhos.
Fonte: Blog do Rubem Alves
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