sábado, 30 de setembro de 2017

A VERDADE E A MENTIRA (LENDA GREGA)

     Houve uma ocasião em que a Verdade e a Mentira se encontraram numa estrada.

     - Boa tarde! - disse a Verdade.
     - Boa tarde! - retrucou a Mentira - Como você tem passado?
    - Sinto dizer que não vou lá tão bem. Sabe, os tempos andam difíceis para uma pessoa como eu - lamentou-se a Verdade.
    - É, dá para perceber! - disse a Mentira, olhando de cima a baixo as roupas esfarrapadas da Verdade - Parece que você não faz uma boa refeição há algum tempo!
   - Para ser honesta, não faço mesmo, admitiu a Verdade. Ninguém mais quer usar os meus serviços. Onde quer que eu vá, muita gente me ignora ou faz pouco caso de mim. Estou perdendo o ânimo. Estou começando a me perguntar se vale a pena continuar assim.
   - E por que, diabos, você continua? Venha comigo e eu vou lhe mostrar como se dar bem. Não há razão para você deixar de comer o que quiser, como eu, nem de se vestir com as melhores roupas, como eu. Mas prometa que não vai dizer absolutamente nada contra mim enquanto estivermos juntas.
    A Verdade prometeu, e concordou em acompanhar a Mentira por algum tempo, não por gostar de sua companhia, mas por ter tanta fome que estava prestes a desmaiar se não comesse algo imediatamente. Seguiram as duas pela estrada até chegarem à cidade, e a Mentira conduziu logo a Verdade para o melhor restaurante.
   - Garçom, traga a carne mais apetitosa, as sobremesas mais gostosas que vocês tiverem, pediu ela.
     E as duas passaram a tarde comendo e bebendo do bom e do melhor. Por fim, quando já não agüentavam mais, a Mentira começou a bater na mesa com o punho cerrado e a chamar pelo gerente, que veio correndo.
    - Que diabo de lugar é esse? Eu entreguei uma moeda de ouro ao garçom há quase meia hora, e ele ainda não trouxe o troco.
    O gerente mandou chamar o garçom, que afirmou não ter recebido um centavo sequer daquela senhora.
    - O quê? - gritou a Mentira, chamando a atenção de todos os presentes - Não posso acreditar numa coisa dessas! Duas inocentes e respeitáveis cidadãs chegam a uma casa como esta para almoçar e vocês tentam roubar-lhes o dinheiro ganho com muito suor! Vocês são um bando de ladrões mentirosos. Podem me enganar uma vez; mas estejam certos de que não vão me enganar nunca mais, Tome! - e jogou uma moeda de ouro nas mãos do gerente - E não vá se esquecer do meu troco outra vez.
    O Gerente, porém receando pela reputação do restaurante, recusou-se a aceitar a moeda e trouxe o troco para a primeira moeda que a Mentira dizia ter dado ao garçom. Levou depois o garçom para um canto, chamou-lhe de canalha e disse que estava pensando em demiti-lo. E por mais que o pobre negasse ter recebido seja o que for da freguesa, o gerente continuou sem acreditar nele.
   - Ora essa, onde foi parar a Verdade? - murmurou baixinho o garçom - Será que ela abandonou as pobres almas devotadas?
   "Não, eu estou aqui, resmungou a Verdade consigo mesma; mas meu juízo cedeu à minha fome e agora não posso dizer nada sem quebrar a promessa que fiz à Mentira."
    Assim que as duas saíram, a Mentira soltou uma tremenda gargalhada e congratulou-se com a Verdade!
     - Está vendo como o mundo funciona? Você não acha que eu me saí muito bem?
     Mas a Verdade afastou-se dela.
    - Prefiro morrer de fome a viver como você.
    E então, a Verdade e a Mentira se separaram; e jamais tornaram a se encontrar.

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